Crônicas
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Sobre perder alguém

Sobre perder alguém que a gente nunca teve: Hoje meu pai faleceu e meu irmão ficou sabendo disso e nos contou por meio de um post no Instagram feito pelo meu nosso “meio irmão” que lamentava a morte de um “homem maravilhoso” que ele foi.

Por Ana Horta

Pena que nós não conhecemos esse “homem maravilhoso” e que a sorte dele o ter conhecido. Para nós, só sobrou muitas brigas e batalhas na justiça para alimentar 4 filhos abandonados por esse pai que optou por viver um novo romance, sem olhar para atrás.

Para nós só sobrou muita dor, necessidades básicas não supridas por uma mãe solo (que foi obrigada pelo, até então, marido a abandonar o emprego, afinal “mulher dele não trabalhava), diversos tipos de violência fruto dessa ruptura abrupta e total.

Quando ele saiu de casa, eu era pequena e não me lembro de muitas coisas. Só de quando minha mãe conseguiu entrar na justiça para que ele pagasse a pensão e que eu pude voltar para a nossa casa. Isso porque, por falta de condições financeiras e durante determinado período, eu tive que morar com a minha avó e seus outros quatro netos (meus primos). No total, nós erámos seis crianças e um adulto morando em uma pequena residência.

Depois dessa obrigação judicial, ele passou a ir nos ver em alguns finais de semana. Não raro, nós arrumávamos (principalmente eu e meu irmão, que somos mais novos) e ficamos esperamos por horas por ele que não aparecia. Ou, quando aparecia, levava a gente para boteco, o lugar preferido dele. O cheiro de cachaça, a visão do ovo colorido e a cor azul das paredes de alguns desses lugares ainda me dão arrepios.

Depois de um tempo assim, ele sumiu das nossas vidas de vez e foi fazer a dele com a mulher que queria. Fez novos filhos. Criou outra família. Esqueceu da gente, mas a pensão o incomodava. Então, sabendo que as minhas irmãs possivelmente já não teriam direito mais a esse benefício, foi até minha casa com a desculpa de me ver e soube da minha boca inocente/ infantil que elas tinham acabado se formar. No outro dia, a casa que ainda tinha 5 pessoas (junto com a minha mãe) para ser alimentada já não tinha mais esse dinheiro para contar. Um pai realmente muito preocupado com o bem-estar dos seus filhos.

Sumiu de novo e passados anos, eu já na faculdade, decidi procurá-lo para saber mais sobre seu lado da história. Mas a relação era fria, distante. Juro que buscava me aproximar, mas sentia que era uma estranha naquela família que ele criou que, aos meus olhos, parecia ser perfeita sem mim.

Até que um dia, ele ligou dizendo que estava doente, que iria no hospital perto da minha casa e que depois gostaria de passar na minha casa para me ver, se eu podia passar o endereço. Logicamente, eu fiz exatamente o que ele solicitou. Mas ele não veio. Fiquei preocupada. Liguei diversas vezes para ele que não atendeu. Passado alguns dias, nós recebemos uma intimação da justiça falando que ele havia entrado com uma ação para retirar o que para ele era a única coisa que importava: nossa pensão/ o dinheiro.

Na audiência, olhando nos olhos dele e chorando muito (afinal fui enganada por ele outra vez), eu perguntava o motivo pelo qual ele tinha feito aquilo, que bastava ele dizer que não queria ou podia pagar que resolveríamos isso de maneira amigável. Ele nem sequer me olhou. Com olhar fixo na parede ele estava e com o olhar fixo na parede ele ficou. O juiz disse para manter o contato conosco, que a família era tudo o que uma pessoa tinha e ele não fez ou falou nada. Depois disso, nunca mais o vi.

Mas hoje, ao receber a notícia da sua morte, chorei como uma criança. Certamente, tinha todos os motivos para não sentir essa tristeza, mas meus olhos – com suas lágrimas que insistem em escorrer – não querem me obedecer.

Acho que choro pelo que não tive. Por esse pai “maravilhoso” que meus “meios irmãos” tiveram. Por não ter sido permitido a mim a oportunidade de despedir e chorar no seu velório lamentando por tudo aquilo que podíamos ter vivido.

Foto

Ana Horta

Jornalista especializada em arquitetura e decoração e pós-graduada em MKT. Há 12 anos é proprietária da Mão Dupla Comunicação, única agência em Minas especializada em arquitetura,decoração, construção civil e paisagismo. É também uma das idealizadoras do Décor Solidário, projeto social, sem fins lucrativos, que visa revitalizar instituições carentes por meio da decoração.

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