Direitos a todas mulheres
MULHER(ES): a Lei Maria da Penha e sua aplicação a mulheres transexuais
Por Gabriella Andréa Pereira
Por +Gama
O que pensamos ao ouvir a palavra “mulher”? Será que dentro dessa palavra cabem todas as mulheres que desejamos nomear?
Esse questionamento, tanto inicial quanto crucial, norteia a discussão quando pensamos na Lei Maria da Penha – Lei. 11.340 de 2006, sobretudo quando começamos a perceber que nem todas as mulheres têm os mesmos direitos respeitados, no mesmo espaço e tempo.
Pode parecer questão simples e óbvia: todos têm direitos iguais, segundo a Constituição da República de 1988. Mas, nem tudo que parece, verdadeiramente é! Veja: quando o ordenamento jurídico insere em seu texto, normas para efetivar direitos já garantidos constitucionalmente, a princípio, é possível infirmar que a aplicabilidade dessa norma estava prejudicada.
E, esse foi o caso da Lei Maria da Penha que foi criada exatamente quando a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, depois de anos de luta em busca de efetivar seus direitos, fazendo cessar suas agressões e punindo seu agressor, precisou acessar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que determinou ao Brasil a reparação, tanto simbólica quanto materialmente, pelos danos sofridos. E, uma das maneiras de fazê-lo foi editando e sancionando a Lei n° 11.340, ainda no governo Lula (07 de agosto de 2006).
Essa lei, corolária do princípio do não retrocesso, bem como da dignidade da pessoa humana, destacada no art. 1°, III, da Constituição consubstanciam-se num microssistema de proteção, ou melhor dizendo, em uma ação afirmativa que é uma política editada pelas instituições, com o objetivo de corrigir desigualdades, dando maior proteção e reconhecendo a necessidade de tratamento diferenciado, a fim de suprir a inferiorização ali existente (no direito, chamamos tal fenômeno “igualdade material”).
Feita essa breve e necessária introdução, é possível adentrar ao assunto que foi notícia no início desse mês de abril. A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ decidiu que “a Lei Maria da Penha pode ser aplicada para proteção de mulheres transexuais”.
Essa foi a primeira vez que uma Corte Superior julgou algo do tipo, o que significou um enorme avanço à Comunidade LGBTQIA+ e, sem dúvidas, também significa a necessidade de olhar para relações humanas de maneira mais “humana”. Afinal, deve o direito distanciar-se das relações?
Sabe-se que a comunidade trans luta diariamente por direitos humanos básicos como o direito à saúde, para ter efetivado – pelo SUS – o seu tratamento de resignação sexual, o direito ao nome e a usar o banheiro feminino. O direito ao trabalho digno, o direito ao envelhecimento, uma vez que no Brasil, a expectativa de vida da população transexual é de aproximadamente 35 anos e o direito à morte digna, sem violências.
Nesse sentido, a decisão do STJ é tão fundamental e importante! O relator do caso, ministro Rogério Schietti Cruz afirmou que “[…] este julgamento versa sobre a vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos, que não pode ser resumida à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas, e o direito não se deve alicerçar em discursos rasos, simplistas e reducionistas, especialmente nestes tempos de naturalização de falas de ódio contra minorias” (MIGALHAS, 2022) (grifei).
O caso levado à julgamento foi de uma mulher transexual agredida no seio familiar (por seu pai, mais precisamente), por não aceitar a sua identificação com outro gênero. Assim, requerendo medidas protetivas e tendo o seu direito negado, nas primeiras instâncias, o caso chegou ao STJ e, felizmente, tivemos a confirmação, por um Tribunal Superior, que a Lei Maria da Penha é aplicável a mulheres em razão de seu gênero e não em razão do sexo.
Mais que isso, a subprocuradora-geral do Ministério Público Federal, Dra. Raquel Dodge ainda ressaltou que “o transexual feminino ou a mulher transexual, independentemente de ter sido submetido a cirurgia de transgenitalização, deve estar sob a proteção da Lei Maria da Penha se a ação ou omissão que ela sofreu decorre dessa sua condição social” (MIGALHAS, 2022) (grifei).
Percebeu a importância de que o termo mulher seja entendido de maneira plural e diversa? A pluralidade é o que torna bela e possível a convivência humana e, para isso precisamos de existência digna e não apenas de sobrevivência.
Assim, vale ressaltar a famosa afirmação da escritora feminista negra Audre Lorde, quando diz que “não serei livre enquanto alguma mulher for prisioneira, mesmo que as correntes dela sejam diferentes das minhas”.
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