Cultura
djamila ribeiro Djamila Ribeiro. - Foto: Walter Craveiro/ Divulgação

Descolonizando saberes

Um povo que não conhece sua história, está fadado a repeti-la! Conheça autoras e autores brasileiros negros que te ajudarão a expandir seus conhecimentos e sair da caixinha da colonização.

Por Alessandra Belmonte

Por Tuany Nathany

A pandemia da Covid-19 impactou de forma significativa a rotina das pessoas em todo o mundo. Com isso, novos hábitos, ou a potencialização destes, foram acontecendo. Dentre os hábitos despertados se destacam a leitura de livros.

De acordo com a pesquisa realizada pela Nielsen Book e divulgada pelo Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL), houve um aumento na venda de livros no primeiro semestre de 2021 de 48,5%, se comparado ao ano anterior. Seria este um indicativo de que a população está lendo mais?

A partir deste dado, surgiram duas indagações importantes, para refletirmos, não só neste mês de novembro, mas ao longo da nossa existência: Primeiro quantos autores ou autoras negras a gente conhece? Quantas ou quantos a gente já leu?

O filósofo ocidental Edmund Burk tem uma frase importante que nos provoca a pensar na urgência do acesso às produções literárias e sua vastidão de pensadores e pensadoras, a fim de que seja despertado em nós outros modos de ver e interpretar o mundo, respeitando nossa potência histórica. Burk registra que “Um povo que não conhece sua história, está fadado a repeti-la.”.

O que podemos dizer de povos que têm sua história silenciada e, em muitos casos, não sabem nem de onde descendem? Assim é para muitas de nós, pessoas negras, neste grande Brasil. Por desconhecimento, pois os livros didáticos têm o conhecimento transmitido a partir da visão dos colonizadores, a população negra é invisibilizada, apagada, silenciada nas narrativas.

Neste mês da consciência negra, gostaríamos de contribuir apresentando e destacando autores e autoras importantes, que resgatam a história do povo negro em nosso país e, em outros lugares pelo mundo, com sua escrita de resistência, eles dão eco a necessária e urgente mudança de postura diante dos constantes episódios de racismo estrutural ainda tão forte em nossa cultura.

ABDIAS NASCIMENTO

Abdias Nascimento foi ator, diretor, dramaturgo, crítico, professor universitário, militante da luta contra a discriminação racial e valorização da cultura negra. Idealizador do Teatro Experimental do Negro (TEN), que acolheu uma das damas da dramaturgia brasileira, Ruth Souza. O grupo de atores negros de Abdias Nascimento foi o primeiro a se apresentar no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e abriu caminhos para artistas negros no Brasil. Abdias faleceu em maio de 2011 na cidade do Rio de Janeiro, deixando referências literárias importantíssimas para a compreensão dos impactos do período escravista no Brasil e suas ressonâncias na atualidade.

Sugestões de leitura da obra de Abdias Nascimento:

– O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de um racismo mascarado

– O quilombismo: Documentos de uma militância Pan-Africanista

Foto: Reprodução

CAROLINA MARIA DE JESUS

Mulher negra, mineira nascida em Sacramento, mãe de três filhos, Carolina Maria de Jesus encontrou na “catação” uma forma de subsistência. Filha de pais analfabetos, aos sete anos começou a frequentar a escola e tomou gosto pelo universo da leitura. Carolina trabalhava como catadora de papel e, nas horas vagas, nos cadernos que encontrava em meio aos materiais que recolhia, escrevia sobre suas vivências na favela do Canindé, localizada na capital Paulista. Os registros deram origem ao livro “Quarto de Despejo – diário de uma favelada”, publicado pela primeira vez em 1960, que foi traduzido em mais de 16 idiomas. O destaque de sua obra fez com que fosse reconhecida em vida, melhorando sua condição socioeconômica e qualidade de vida. Carolina Maria de Jesus faleceu em 1977, aos 62 anos, no estado de São Paulo, deixando um legado importante para a literatura brasileira. Segundo Carolina, “A favela é o quarto de despejo da cidade”, e conseguimos perceber isso nos contrastes tão marcantes entre o morro e o asfalto nas grandes capitais. Sua obra ainda é pulsante e desenha as desigualdades sociais ainda tão marcantes em nosso país.

Sugestões de obras de Carolina Maria de Jesus:

– Quarto de Despejo – Diário de uma favelada

– Casa de Alvenaria

– Diário de Bitita

Foto: Reprodução

LÉLIA GONZALEZ

Belorizontina nascida em 1º de fevereiro de 1935, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro/RJ, onde cursou na graduação os cursos de História e Geografia, realizou mestrado em Comunicação e o doutorado em Antropologia Política. Foi professora, lecionando para alunos do ensino médio e ensino superior. Em 1978, durante a ditadura militar, fundou junto com outros/outras ativistas negros/negras o Movimento Negro Unificado contra Discriminação e o Racismo (MNUCDR), atualmente conhecido como Movimento Negro Unificado – MNU. Lélia Gonzalez faleceu em 1994, deixando escritos que muito têm contribuído para o processo de descolonização do pensamento nas diferentes esferas da produção do conhecimento. Durante uma conferência na Universidade Federal da Bahia, realizada em 2017, Angela Davis, ativista e intelectual negra norte americana, expressou “Eu sinto que estou sendo escolhida para representar o feminismo negro. Mas por que aqui no Brasil vocês precisam buscar essa referência nos Estados Unidos? Acho que aprendi mais com Lélia Gonzalez do que vocês aprenderão comigo.”. A fala de Davis reforça a carência e a importância de conhecermos nossas referências, nossa história enquanto povo. Importante destacar que as produções de Lélia Gonzalez estão sendo reeditadas, tornando-se acessíveis à população geral.

Sugestão de obra de Lélia Gonzalez:

– Por um feminismo afro-latino-americano

Foto: Reprodução

CONCEIÇÃO EVARISTO

Nascida em uma favela na região sul de Belo Horizonte, Conceição Evaristo conciliou os estudos com o trabalho como empregada doméstica, até a conclusão do curso normal, aos 25 anos. Após esse período, ela vai para o Rio de Janeiro, onde passa em um concurso público para o magistério e cursa Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Conceição Evaristo estreou na literatura em 1990, com obras publicadas na série Cadernos Negros, publicada pelo Grupo Quilombhoje. É mestra em literatura brasileira e Doutora em literatura comparada. Suas obras trazem a narrativa da população periférica que é marcada pela discriminação racial, de gênero e de classe. Na terceira edição da obra “Becos da Memória”, no capítulo intitulado “Da construção de becos”, Conceição Evaristo relata: “Foi o meu primeiro experimento em construir um texto ficcional con(fundindo) escrita e vida, ou, melhor dizendo, escrita e vivência. Talvez a escrita de Becos, mesmo que de modo quase que inconsciente, eu já buscasse construir uma forma de escrevivência”.

A escrita de Conceição Evaristo acolhe, ativa memórias familiares, nos revolta com as violências decorrentes da grande discrepância que alimenta as desigualdades sociais, sobretudo também é afetiva. São histórias de um povo de luta e resistência, com destaque para as mulheres, que motiva para transpor as barreiras da invisibilidade.

Sugestões de obras de Conceição Evaristo:

– Ponciá Vicêncio

– Becos da Memória

– Olhos D’água

– Insubmissas Lágrimas de Mulheres

população negra
Foto: Reprodução

SILVIO ALMEIDA

Silvio Luiz de Almeida é um homem negro, advogado, filósofo, doutor e pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. É professor em importantes instituições de ensino superior, como a Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e Universidade Presbiteriana Mackenzie, além de professor convidado da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Silvio ainda desenvolve atividades como diretor-presidente no Instituto Luiz Gama, atua na consultoria técnica da Federação Quilombola do Estado de São Paulo e faz parte da plataforma Feminismos Plurais, idealizada pela filósofa Djamila Ribeiro, onde contribuiu com a obra “Racismo Estrutural”. A obra de Silvio Almeida traz reflexões importantes para o entendimento da construção dos conceitos de raça e racismo, fazendo um resgate da história do nosso país e de outras ditas civilizações. Destaca-se que a desconstrução de processos tão arraigados em nossa formação societária é uma atividade árdua, mas necessária para conseguirmos transpor as barreiras impetradas pelo preconceito étnico-racial.

Sugestão de obra de Silvio Almeida:

– Racismo Estrutural

população negra
Foto: Reprodução

DJAMILA RIBEIRO

Djamila Ribeiro é uma potente mulher negra, ativista feminista, mestra em filosofia política, escritora e acadêmica. Ela coordena a plataforma Feminismos Plurais, onde são organizadas produções literárias e discutidos temas relevantes e, considerados tabus, atravessados pelo racismo estrutural e toda a sorte de preconceitos tão presentes na construção social e cultural brasileira. Da obra “Quem tem medo de feminismo negro”, destacamos um trecho que provoca reflexões para desconstruir estereótipos que atravessam o imaginário social sobre a mulher negra. Djamila diz que “(…) a construção da mulher negra como inerentemente forte era desumana. Somos fortes porque o Estado é omisso, porque precisamos enfrentar uma realidade violenta. Internalizar a guerreira, na verdade, pode ser mais uma forma de morrer. Reconhecer fragilidades, dores e saber pedir ajuda são formas de restituir as humanidades negadas. Nem subalternizada, nem guerreira natural: humana”. Provocante, né?!

Os livros de Djamila Ribeiro são necessários, pois trazem provocações que nos inquietam, apresentam linguagem acessível e fragmentos de situações reais experienciadas por ela e outras pessoas negras. Suas obras dão destaque para noções de feminismos, desigualdade social, racismo, ativismo político e história.

Sugestões de obras de Djamila Ribeiro:

– Quem Tem Medo de Feminismo Negro

– O que é lugar de fala

– Pequeno Manual Antirracista

– Cartas para minha avó

população negra
Foto: Reprodução

Desejamos uma boa leitura e muitas inspirações!

Referências

A atualidade do pensamento de Lélia Gonzalez. Disponível em https://nossacausa.com/atualidade-do-pensamento-de-lelia-gonzalez/. Acessado em 21 de novembro de 2021.

Lélia Gonzalez: A mulher que revolucionou o movimento negro. Disponível em https://www.palmares.gov.br/?p=53181. Acessado em 21 de novembro de 2021.

Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Disponível em https://snel.org.br/setor-editorial/noticias/. Acessado em 21 de novembro de 2021.

Instituto Luiz Gama. Disponível em http://institutoluizgama.org.br/ . Acessado em 25 de novembro de 2021.

ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo Estrutural. São Paulo. Sueli Carneiro; Polén, 2019.

EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. Rio de Janeiro. Editora Pallas, 2018.

RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala. Belo Horizonte. Letramento, 2017.

Foto

Tuany Nathany

Alma curiosa que busca entender os ‘por quês’ e ‘comos’ da vida. Jornalista por profissão e pesquisadora de coração, sou especializada em jornalismo em ambientes digitais e em comunicação pública da ciência. Na pesquisa, e na vida, meus principais temas de interesse são gênero, mulheres na ciência, redes sociais e divulgação de ciência para crianças.

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