Cultura
bituca Foto: Reprodução

A última estação

Para fechar um ciclo, Bituca anunciou sua despedida dos palcos com a turnê A Última Sessão de Música, que teve sua estreia no Rio de Janeiro, e seguiu para outras capitais do Brasil, passando pelo Estados Unidos e alguns países da Europa.

Por Luiz Renato Barbosa

Este ano foi especial para a vida e para a carreira de Milton Nascimento, o eterno Bituca. 2022 marcou as comemorações de 60 anos de carreira do cantor, além de 50 anos do lançamento do icônico álbum Clube da Esquina, que também recebeu o título de melhor disco da música brasileira de todos os tempo, e de seu aniversário de 80 anos, celebrado no último dia 26 de outubro.

E para fechar o ciclo, Bituca anunciou sua despedida dos palcos com a turnê A Última Sessão de Música, que teve sua estreia no dia 11 de junho, no Rio de Janeiro, e seguiu para outras capitais do Brasil, passando pelo Estados Unidos e alguns países da Europa.

E, como não poderia deixar de ser, essa viagem musical desembarcou em sua última estação no último domingo, em Belo Horizonte, cidade que se confunde com a história do Milton e berço do Clube da Esquina, em um Mineirão lotado de fãs emocionados para ver este show que já entrou para a história da MPB.

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Foto: João Paulo Martins Campos

O clima era de um clássico com torcida única, onde, pouco a pouco, o público foi ocupando as arquibancadas e o gramado do “Gigante da Pampulha” em um misto de euforia e expectativa. No palco, o telão exibia uma grande foto de Bituca e de Gal Costa abraçados, em uma primeira das várias homenagens à cantora que nos deixou há pouco tempo.

Antes do início do show, o cantor e compositor Zé Ibarra, vocalista da banda Bala Desejo e músico que acompanha Bituca nessa turnê, fez uma pequena abertura na qual, emocionado, fez mais uma homenagem à Gal, com a qual Ibarra também já dividiu o microfone anos antes.

Como emoção pouca é bobagem, foi exibido no telão um filme com a Gal e o Milton cantando Paula e Bebeto, levando o público ás lágrimas.

O show

Às 19h do dia 13 de novembro de 2022, as cortinas do palco montado no gramado do Mineirão se abriram ao som de Os tambores de Minas, com Milton sentado ao centro, vestindo um lindo figurino feito pelo estilista Ronaldo Fraga, visivelmente comovido com a multidão de mais de 50 mil pessoas a sua frente gritando em coro: Bituca! Bituca! Bituca!

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Platéia no show de Milton Nascimento. – Foto: Reprodução

Aos prantos, Milton pegou sua sanfoninha, instrumento que o artista toca desde a infância, e entoou os acordes de Ponta de Areia. Quando eu achei que o Bituca não ia conseguir cantar com tamanha emoção que o consumia, ele abriu a boca e soltou os versos: Ponta de areia, ponto final, acompanhado do público que cantou todas as músicas do show. Ao final da canção, o cantor dedicou o show à Gal Costa.

Ao final das músicas seguintes, a instrumental Catavento, Canção do Sal e Morro Velho, Bituca coloca seu tradicional boné e diz: “agora sou eu”, agradecendo ao público: “obrigado por tornar a minha vida tão linda”, e dedicando as três primeiras canções à Elis Regina, sua grande paixão e inspiração que, entre outras, gravou esses sucessos.

O show segue com Outubro, Amor de Índio, Vera Cruz, Pai Grande e Que bom amigo, essa última funcionou como uma ponte para, sem dúvida, um dos momentos mais marcantes da noite. Milton chama ao palco seus companheiros de Clube e de vida, Wagner Tiso, Toninho Horta, Beto Guedes e Lô Borges para cantarem Para Lennon e McCartney. O estádio quase foi abaixo tamanha a empolgação do público que cantou junto: Eu sou da América do Sul/ Eu sei, vocês não vão saber/ Mas agora eu sou cawboy/ Sou do ouro, eu sou vocês/ Sou do mundo, sou Minas Gerais.

Entusiasmo que se seguiu com Um Girassol da Cor do Seu Cabelo, com Milton e Lô. As homenagens ao Clube da Esquina seguem com Cais, Tudo Que Você Podia Ser, San Vicente, Clube da Esquina 2, Lilian (música que Bituca fez para sua mãe e não deixou nenhum parceiro colocar letra pois, para ele, não há letra no mundo que consiga traduzir esse amor) e Nada Será Como Antes.

O show seguiu com A Última Sessão de Música, canção que dá título a turnê, Fé Cega, Faca Amolada (confesso que senti falta da participação do Beto Guedes nessa canção), Paula e Bebeto (Bituca disse, em uma entrevista, que essa é a única música que ele canta em todos os shows) e Volver a Los 17, com direito a homenagem a Mercedes Sosa, a voz da América do Sul.

Mais um convidado sobe ao palco, Samuel Rosa. O vocalista do Skank, antes de cantar O Trem Azul, fez uma linda declaração ao anfitrião: “Eu já achava um baita privilégio habitar a terra ao mesmo tempo que esse gênio aqui do nosso lado (…). Sua música está em movimento, sua música é para sempre, sua música transforma as pessoas e o país. Obrigado, Bituca. Obrigado por existir”.

A música regional e folclórica, tão presente na obra de Milton, também entraram no setlist com Calix Bento, Peixinhos do Mar e Cuitelinho. Depois de cantar Cio da Terra, Bituca dedicou Canção da América ao público presente: “Como eu guardo cada um de vocês do lado esquerdo do meu peito, a próxima música eu dedico a todos vocês”.

Na sequência, o estádio cantou em uníssono Caçador de Mim e Nos Bailes da Vida. Tema de Tostão, mais um tema instrumental feito para o filme Tostão, a fera de ouro, de 1970, é tocado antes de Bituca convidar Nelson Ângelo para cantar Fazenda.

O fechamento da primeira parte da noite ficou por conta de Bola de Meia, Bola de Gude e Maria, Maria, clássico que gerou um lindo coro da plateia. Bituca volta para o tradicional bis com três canções escolhidas a dedo para encerrar sua derradeira viagem musical. Com Wagner Tiso ao piano, Milton cantou Coração de Estudante, música feita em parceria com Tiso e que foi o hino das Diretas Já. Ao final da canção, Bituca gritou a plenos pulmões: “viva a democracia!”. O público respondeu com: “Olê, olê, olá, Lula!”.

O resumo da trajetória musical de Milton não ficaria completa sem Travessia, primeiro sucesso do cantor, que contou com a participação de Toninho Horta na guitarra. Para apagar as luzes dessa locomotiva, Bituca cantou Encontros e Despedidas, fazendo a última homenagem da noite, ao seu grande amigo e principal parceiro: “Fernado Brant, onde vocês estiver, eu te amo!”.

Milton deixou o palco pela última vez aplaudido por um público em êxtase, com uma mistura de alegria e saudade, de encontro e despedida. Uma noite histórica, com um gostinho de quero mais, que marcou a aposentadoria de uma dos maiores nomes da nossa música. “Só dos palcos mesmo”, disse Milton. “Da música, jamais”.

Na saída do estádio, os cânticos das torcidas de Cruzeiro e Atlético deram lugar ao “Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei! Lá Lá Lá Lerererê Lerererê”, de Maria, Maria. De arrepiar.

Ao Milton, ou melhor, Bituca, que entrou na minha vida ainda nos primeiros anos da adolescência e que já tive a oportunidade de ver ao vivo em várias ocasiões, só tenho a agradecer por toda essa travessia e por ter me proporcionado essa Última Sessão de Música.

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Luiz Renato Barbosa

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