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Belchior desvendado

No livro Viver é melhor que sonhar – Os últimos caminhos de Belchior, os jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti traçam a trajetória do cantor e compositor e buscam compreender as motivações que o fizeram viver seus últimos dez anos em exílio

Por Luiz Renato Barbosa

Nos últimos tempos, Belchior foi mais lembrado por um dos gestos mais intrigantes da história recente da Música Popular Brasileira do que por suas composições clássicas como Medo de Avião e Apenas um Rapaz Latino Americano. O cantor largou tudo, casa, carro, dinheiro, carreira, amigos, filhos e embarcou rumo a uma jornada incerta e anônima pelo sul do país em companhia de sua produtora e companheira Edna Assunção de Araújo.

O fato é que o artista não explicou a ninguém o motivo de seu desaparecimento, não pediu dinheiro emprestado a amigos, só deu um telefonema a um dos filhos durante esse período, percorreu dezenas de cidades, dormiu em locais abandonados, dependeu de caridade de desconhecidos, foi expulso de casas por pessoas que o abrigavam, foi perseguido pela justiça e pela imprensa, viu de longe seu patrimônio ir embora e, mesmo assim, não retrocedeu. Continuou sua peregrinação até morrer, em decorrência de um infarto, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, no dia 30 de abril de 2017, 10 anos depois de virar “nômade”.

Desde então, o país inteiro se perguntou: Onde está Belchior? E como tudo no Brasil vira meme, com Belchior não foi diferente. A internet se encheu de montagens fazendo referência ao fato. Nas ruas, frases como “Volta Belchior” eram pichadas nos muros. Até um bloco de carnaval em homenagem ao cantor foi criado, o “Volta Belchior”.

Mas o que levou o compositor a agir assim? Foi esta questão que motivou os jornalistas Chris Fuscaldo e Marcelo Bortoloti a percorrer os caminho feito por Belchior para tentar desvendar esse mistério. E todas as histórias levantadas por eles podem ser conferidas no livro Viver é melhor que sonhar – Os últimos caminhos de Belchior, lançado pela Sonora Editora.

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Foto: Divulgação

Chris Fuscaldo

Em entrevista ao Portal Gama, a jornalista e uma das autoras do livro, Chris Fuscaldo, contou que a ideia de começar essa pesquisa surgiu em 2015, quando ela conheceu Marcelo Bortoloti, que também é jornalista e autor do livro, na faculdade quando eles faziam doutorado. “Eu já tinha tentado localizar o Belchior uma vez para tentar fazer um entrevista para um projeto que eu tinha sobre música nordestina e também estava curiosa sobre o seu paradeiro. Quando li uma matéria que o Marcelo Bortoloti havia escrito sobre o assunto, aquilo despertou em mim uma vontade de percorrer o trajeto que Belchior fez até chegar em Santa Cruz do Sul. No entanto, só fomos nos conhecer em 2015, em uma aula do doutorado. Justamente nesta aula, o professor fez uma piada comigo citando Belchior e começou um papo do qual praticamente só eu, Marcelo e os dois professores participamos. Saímos da aula conversando e eu soube que ele era aquele cara que sabia que Belchior esteve ou ainda estava em Santa Cruz do Sul. Já no corredor da universidade, falei para ele que devíamos escrever um livro juntos, afinal, ele já tinha uma parte da apuração, eu tinha uma bagagem de música e biografia e, juntos, otimizaríamos melhor as viagens que precisaríamos fazer e debateríamos melhor, com dois olhares, uma história que ali eu já sabia que não seria tão simplória”.

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Foto: Divulgação

Chris relatou que os dois percorreram mais de 10 mil Km, passando por mais de dez cidades do Uruguai, Rio Grande do Sul, Ceará e São Paulo, entrevistando mais de 150 pessoas. “Para chegar ao fundo desta questão, percorremos cidades por onde o cantor passou, antes e depois do sumiço. Conversamos com pessoas que tiveram contato com ele, conhecemos locais onde ele se hospedou, dormimos em camas onde ele dormiu, reviramos suas malas deixadas para trás. Consultamos processos e documentos que levavam seu nome e anotações pessoais, perturbamos sua família com perguntas indiscretas, choramos com alguns depoimentos, entrevistamos suas amantes, seus advogados e seus amigos de infância”.

A jornalista declarou que a principal dificuldade encontrada ao longo da investigação foi não consegui distinguir os limites entre a vida íntima do homem e a vida pública do artista. “Estava tudo embaralhado num mesmo cesto que era necessário examinar para compreender suas motivações mais profundas. Ao lado das músicas, dos livros, dos depoimentos, absorvamos também as fofocas, as picuinhas, as maledicências. Nossas facetas jornalísticas e pesquisadoras estavam separadas por uma linha bastante tênue. Driblar as nossas emoções ao descobrir que Belchior passou momentos difíceis, e decidir se escolheríamos uma tese para trabalhar em cima ou se faríamos o que fizemos, que foi oferecer ao leitor tudo o que apuramos, deixando ele perceber o quão difícil é definir e julgar um ser humano. Também foi duro perceber que o jornalismo, nosso ofício primeiro antes de nos tornamos doutores em Literatura, foi tão cruel com Belchior”.

Chris concluiu dizendo que o leitor não irá encontrar respostas prontas nas páginas de Viver é melhor que sonhar – Os últimos caminhos de Belchior, mas sim várias histórias para que cada um chegue as suas próprias conclusões. “As pessoas vão acompanhar o nosso processo de descobertas e encontrar uma história mais triste do que divertida, que nos mostra o quanto o ser humano é complexo e que não existe apenas ‘sim’ e ‘não’. Foi um trajeto cheio de percalços, com muitas versões de uma mesma história narradas pelas diversas testemunhas que acompanharam a tragédia daquele grande artista. Nos seus dez últimos anos, Belchior viveu de maneira insólita e extraordinária, conhecendo pessoas diversas, lugares interessantes e relações inusitadas, com fãs perplexos que abrigaram um astro da música em suas casas sem saber muito bem por que ele estava ali. Em parte, o astro buscou este caminho; em parte, foi conduzido a ele. Acompanhar os seus passos nos abriu para uma compreensão mais madura da existência de um grande artista, e da própria
sociedade que o cerca. Esperamos que o leitor possa compartilhar esta descoberta”.

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Luiz Renato Barbosa

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