LGBTQI+
LGBTQIA

Sangue e purpurina

As cores chamativas do arco-íris escoam rapidamente das vitrines físicas e virtuais. Mas, sem querer ser estraga prazeres – longe de mim querer isso, eu quero mais é que todo mundo sinta prazer, muito, muito prazer! – é preciso entender que a comemoração do Orgulho LGBTQIA+ é, antes de tudo, uma celebração de luta.

Por Michelle MKO

Este mês o Portal Gama está com mais uma série comemorativa (confira o último texto aqui), dessa vez, a temática homenageada é o Orgulho LGBTQIA+. Muitos devem estar se perguntando: por que junho é considerado o mês do orgulho LGBTQIA+? E o que diabos significa isso? Bom, apertem os cintos porque vamos iniciar uma viagem no tempo na qual vocês vão entender um pouco mais do assunto.

Junho foi eleito como o mês do orgulho LGBTQIA porque no dia 28 de junho de 1969, frequentadores do Bar Stonewall em Manhattan, EUA, cansados de serem extorquidos pela polícia local e serem humilhados e agredidos, se rebelaram e retaliaram os ataques policiais. A Rebelião de Stonewall acabou sendo considerada o marco da comemoração do Orgulho LGBTQIA. Naquela época, poucos estabelecimentos comerciais permitiam que pessoas marginalizadas como as da comunidade gay o frequentassem. O Stonewall Inn era um dos poucos que abriam suas portas para drag queens, transgêneros, gays, lésbicas, prostitutas e sem-teto. Mas as batidas policiais eram frequentes e, durante a operação, havia extorsão, agressões e humilhações. Até que no dia 28 de junho os frequentadores fizeram um levante e expulsaram os policiais de lá.

Este ato de resistência não foi o primeiro, outros aconteceram antes em outras partes do mundo e continuam acontecendo ainda hoje em muitas esferas. Sim, amigues, ainda hoje é preciso lutar e reivindicar pelo direito de amar e expressar a afetividade livremente. Prova disso são os recentes episódios de tentativa de cerceamento de liberdade no mercado publicitário quando, em São Paulo, propuseram uma proibição de veiculação de propagandas com casais que não se adequavam à cis-heteronormatividade. O projeto de lei 504/2020 foi arquivado, mas, saber que ele veio à tona e que teve uma aceitabilidade considerável de pessoas é um alerta para nossa sociedade.

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Manifestação do Dia Internacional das Mulheres, em 2018. – Foto: Arquivo pessoal

A sodomia e as relações homoafetivas foram consideradas criminosas durante muitos anos em vários países e, pasmem, ainda permanecem no rol de criminalidade em alguns, como Iêmen, Mauritânia e Arábia Saudita. Nestes três, há pena de morte para as pessoas que fogem da cis-heteronormatividade. Vocês conseguem pensar na truculência e na brutalidade que deve ser para os LGBTQIA desses lugares vivenciarem suas expressões de afeto? É cruel pensar que amar pode ser considerado crime e que odiar e discriminar são considerados Lei! Acho isso uma incoerência sem tamanho! E, amigues, não precisamos nos deslocar até lá para pensar na covardia da pena de morte para membros das comunidades LGBTQIA. Na América Latina e no Brasil a discriminação ainda ocorre. Vamos fazer agora um recuo no tempo para compreender mais o contexto.

A América Latina viveu a égide das ditaduras nas décadas de 60. Naquela época havia muitos movimentos militares por aqui e a luta transcendia a perspectiva de uma invasão territorial para a invasão do corpo físico e de suas maneiras de expressar suas afetividades. Na Argentina, nos anos 1960 a 1970, grupos clandestinos comunistas e de esquerda lutaram pelos direitos homossexuais com o movimento Nuestro Mundo e usavam cartazes mimeografados distribuídos maciçamente na imprensa para reivindicar o amor entre iguais. Movimentos de gays e lésbicas também começaram a surgir em 1970 no México e em Porto Rico. Em maio de 1972 a Frente de Liberação Homossexual da Argentina lançou um Manifesto no qual declaravam: “os homossexuais são socialmente, culturalmente, moralmente e legalmente oprimidos. Eles são ridicularizados e marginalizados, sofrendo asperamente o absurdo da brutalidade imposta pela sociedade heterossexual monogâmica. A luta contra a opressão que nós sofremos é inseparável da luta contra todas as outras formas de opressão social, política, cultural e econômica.” O triste disso é pensar que não mudou muita coisa de lá para cá.

No Brasil, o contexto daquela época também era de uma ditadura que, embora não buscasse especificamente a repressão contra homossexuais, na leva de perseguições também os arrastava para seus porões e os submetia a todo tipo de tortura. Muitos foram internados em sanatórios como se a expressão de seus afetos fosse uma doença psíquica. A própria OMS só retirou a homossexualidade do rol de doenças em 1990 – na época chamavam de homossexualismo, com o fatídico sufixo -ismo de categoria patológica. A transexualidade enfrenta uma duplicidade de sentido porque ela não é considerada doença, mas está categorizada como “condições relacionadas à saúde sexual” no CID, Cadastro Internacional de Doenças. Desde 2008 o SUS oferece o processo transexualizador que conta com procedimentos cirúrgicos e ambulatoriais. A luta para a despatologização da transexualidade segue firme no Brasil. Embora não seja considerado crime e hoje muitas leis garantam direitos aos LGBTQIA, as agressões e os assassinatos estão entre os mais altos do mundo! Os partidos de esquerda têm enfrentado batalhas parlamentares para impôr sanções legais contra discriminação baseada em orientação sexual e para ampliar os direitos para membros das comunidades LGBTQIA. Apesar de todos esses esforços, o Brasil apresenta umas das mais altas taxas de mortalidade de LGBTQIA. Sim, amigues, para vocês terem uma ideia, a expectativa de vida de um transgênero aqui é de 35 anos em contraste com a de 76 anos do restante da população. Imaginem: metade da expectativa de vida dos demais brasileiros apenas por serem quem são! Acho isso tão cruel…

Com base neste breve resumo, no qual muitos fatos não foram trazidos devido à extensão do assunto, reafirmamos que falar de Orgulho LGBTQIA é mais do que falar de amor, é falar de luta e não podemos correr o risco de esvaziarmos de sentido esta batalha. Como muitas outras datas e celebrações, o Orgulho LGBTQIA+ virou um grande filão de vendas e lucros. Muitas empresas sacaram que esta onda venderia e investiram pesado no mercado consumidor. E vendem! Claro! As cores chamativas do arco-íris escoam rapidamente das vitrines físicas e virtuais. Mas, sem querer ser estraga prazeres – longe de mim querer isso, eu quero mais é que todo mundo sinta prazer, muito, muito prazer! – é preciso entender que a comemoração do Orgulho LGBTQIA+ é, antes de tudo, uma celebração de luta. Sim, meus querides, porque, ainda que a bandeira do amor seja – e deve mesmo – ser hasteada, o direito de amar fora do padrão cis-heteronormativo é conquistado com muita luta, sangue, lágrimas e purpurinas derramadas.

Abaixo você encontra algumas indicações de filmes, séries e documentários que representam o nosso universo colorido: 

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Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

COMENTÁRIOS

  • Michelle MKO

    Obrigada! Continuemos na luta!

  • Flávia Mota

    Sangue e Purpurina, texto muito, muito bom.

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