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Assanharau

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Assanharau: erotismo em versos úmidos

Reconhecer o poder do erótico em nossas vidas pode nos dar a energia necessária pra fazer mudanças genuínas em nosso mundo, mais que meramente estabelecer uma mudança de personagens no mesmo drama tedioso. Pois não só tocamos nossa fonte mais profundamente criativa, mas fazemos o que é fêmeo e autoafirmativo frente a uma sociedade racista, patriarcal e anti-erótica. Audre Lorde

Por Michelle MKO

Belo Horizonte, março de 2023, no alvorecer de um novo governo Lula após o vale da morte da (indi)gestão de Bolsonaro. Na capital do estado governado por quem não conhece Adélia Prado, um grupo de poetas e amantes de literatura se encontra toda última sexta-feira do mês para declamar versos eróticos.

Na malemolência da Democracia gritante, a poesia surge como uma lábris, uma sagáris afiada para cortar na raiz o Fascismo, o ódio, a intolerância e qualquer tipo de abuso ou assédio. Fazer um Sarau que rompa com a opressão e a pequenez de ideias e sentires é fazer erigir o Erótico.

A pegada do erotismo bebe na fonte de Audre Lorde que nos instiga a pensar o erótico como uma energia pulsante que habita em nosso íntimo e que tem a potencialidade de (co)romper e distorcer as fontes de poder inerentes à cultura de pessoas oprimidas. Porque quem vivencia o erótico em toda sua força, degusta a vida, sente, e vivemos em uma sociedade que nos coage a suprimir o sentir em detrimento do agir sem pensar. Pensar e sentir são dois movimentos temidos pelo sistema opressor. Querem o agir maquinal. Mas, não somos máquinas, como já dizia Charles Chaplin. Somos seres viventes, pulsantes, sentintes. O erótico nos conecta com essa centelha sagrada e vívida que habita em nós. O erótico, em nosso mundo cruel e devastador, é visto como algo pequeno, sujo, indesejável. Mas, ao sucumbirmos a esta classificação tacanha e falaciosa, excluímos os componentes psíquicos e emocionais da necessidade humana que é viver em plenitude.

O Assanharau nasce da confluência com um outro movimento cultural de Beagá: o Arte Contra a Barbárie. Nessa pororoca de ideias, desejos e gritos a postos para rasgar o tempo e o espaço, Flávia Brettas, 41 anos, atriz, bacharel em Direito e especialista em Políticas Públicas viu em Jerusa Furbino de Figueiredo, 42 anos, escritora e poeta e em Dione Machado, 38 anos, ator, clown, poeta, artista visual, gestor ambiental e segurança do trabalho, a oportunidade de criar um encontro de almas eróticas. Estava criada a oportunidade de reunir pessoas que gostam de poesia e de literatura para viver o erótico em plenitude. Veio de Dione o nome do evento. Se seria um Sarau assanhado, no sentido de que não fica quieto, buliçoso, agitado, irrequieto, fica instituído o nome do Sarau: Assanharau.

Assanharau

Flávia Brettas conta que “o Movimento de Arte Contra a Barbárie tem a expectativa de colorir simbolicamente a cidade com diversas artes no viés politizado, para abrir liberdades, consciências emancipadas e, pelo Assanharau, já iniciamos  um aquecimento mais amoroso, mais vigoroso, para começar a espantar a crise do antigo governo que promoveu uma era brochante, cheia de retrocessos”.

Dione conta que o Assanharau já vinha sendo desejado por várias pessoas que ele e Jerusa foram conhecendo pelas trilhas literárias de Beagá e região metropolitana. Segundo o ator, há uma quantidade gigante de textos eróticos que vêm sendo escritos e que os livros ou a forma de expor não dão conta desta produção.  Para ele, a interpretação de alguém recitando, o tom de voz, a presença, tudo isso mostra uma perspectiva diferente e mais ousada do que uma mera leitura silente e individual.

Assanharau

Jerusa, apresentadora oficial do Assanharau, já vinha de uma experiência de produção literária do Erótico, inclusive com a publicação em uma página do Instagram @pontojotadapoesia e com a participação de uma coletânea suculenta que reúne a poética erótica de quatorze mulheres mineiras.

O livro, disponível na Amazon, tem a seguinte descrição: “Uma coletânea calentita recheada de mulheres prontas para usar seus dedos (picantes) de moça para escrever sobre suas distintas formas de desejar. As autoras mexericas não têm medo de espalhar casca, deixar (es)correr seu sumo, deixar rastro do seu cheiro. Foi Virginia Woolf quem disse que as mulheres que desejassem escrever com liberdade precisavam, cada uma a sua maneira, matar o “anjo do lar”. Pergunto ao leitor: ‘Se sua casa pegasse fogo com todos os escritos deste livro, depois de tê-los lido, o que você salvaria?’. O fogo?”

Quem for ao Assanharau terá a oportunidade de comprar esta coletânea cítrica e suculenta. Aliás, o Assanharau abre espaço para que seus participantes disponibilizem para a venda seus livros e criações artísticas.

Outra obra que trata também do erotismo audrelordeano, é o Erótica, versos lésbicos do Selo Cássias Imperiais. A antologia reúne 80 poetas lésbicas e bissexuais brasileiras da atualidade e estará disponível para venda no Assanharau. Desta coletânea, eu tenho a honra de participar, afinal, além de subverter a ordem castradora e opressora de um sistema que tenta nos apagar e invisibilizar enquanto mulheres que amam e desejam mulheres, há uma reunião de olhares e falares distribuídos pelos mil cantos do país. Versos com sotaques, cheiros e sabores plurais e sedutores. Meu livro Cheiro de Mulher também estará à venda na versão e-book. Nele sintetizo em 30 poesias o erotismo sutil e delicado de um amor feminino, trazendo à baila a desconstrução do axioma falacioso de que erotismo e pornografia são sinônimos.

Flávia fala que o objetivo do Assanharau é fazer um encontro democrático, participativo, com o instrumento da poesia para lubrificar o verbo e sonhar a libido dos presentes. Para que possam sair dali contaminados e contaminando afetos mais vigorosos pela cidade. Já Dione diz que a expectativa da realização do Assanharau é “explorar mais (a poesia) e de uma forma onde as paredes do pudor possam ser utrapassadas, até para nosso reconhecimento nas possibilidades dos desejos, do sexo e da sexualidade”.

Flávia Brettas observa que o movimento trouxe uma capacidade de organização entre pessoas muito talentosas e de uma forma incrível. Flavinha diz que é muito bom estar em um meio tão diverso e respeitoso e que tem muito orgulho da resistência de todos ali.

O Assanharau ocorre na Casa Socialista no charmoso Bairro de Santa Teresa sob o comando delicioso de Jerusa Furbino, a mexerica mais comunista da cidade. O encontro poético e assanhado vai acontecer nesta sexta-feira dia 31 de março, às 19h. Será a terceira edição do Assanharau que tem expandido seu alcance para as redes sociais e as plataformas musicais. Sim. Tem playlist no Deezer, no Spotify e no YouTube. Músicas que instigam o imaginário sensual e convoca ao germinar do erótico adormecido em nosso âmago perdido. Nada como deixar os sons escorrerem por nossos tímpanos e nos lubrificarem a escuta com desejo, amor e empoderamento.

Assanharai-vos!

Assanharemos!

Foto

Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

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