Educação
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Escalada da violência

Morte física e simbólica: Que soluções podemos criar para conter esta maré de ódio?

Por Michelle MKO

Quem me conhece sabe um pouco da minha trajetória. Sou professora de Língua Portuguesa concursada na rede estadual de ensino de Minas Gerais. Em 10 anos de docência, foram 3 agressões físicas em sala de aula. As duas primeiras foram cometidas por alunos de 12 anos. A última, por um de 15. O resultado disso é um trauma do qual ainda não consigo me libertar, apesar de fazer regularmente terapia e precisar de suporte medicamentoso. Fiquei de licença médica por um período até julho do ano passado, quando voltei ao trabalho na condição de ajustamento funcional. Fora de sala de aula, mas dentro de uma escola. E os reflexos me vêm fortes.

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Arte: Michelle MKO

Há dias que tenho crises de pânico e ansiedade na escola. Há dias em que choro como uma criança assustada e constrangida de não conseguir controlar o tsunami emocional que me assoma. O barulho da escola me deixa tensa. O vozerio de alunos no pátio me deixa trêmula. Quando eu os vejo vindo em minha direção, me sinto caminhando para o vale da morte. Sucumbo. Desde que voltei, não foram poucas as vezes em que precisei ser amparada por colegas. E, cada vez que ouço o relato de algum professor passando por agressões, os gatilhos disparam e eu sinto meu corpo inteiro doer, tremer e choro copiosamente.

Sim. Eu virei um animal acuado no canto de uma sala qualquer da escola. Às vezes não consigo ir na cantina ou na biblioteca. Perdi minha mãe em setembro do ano passado. Luto doloroso e sofrido. Mais um. Porque sinto que vivo um luto da minha profissão. Da minha trajetória. Da minha formação. Do meu investimento de sonhos e expectativas. Preciso traçar novos rumos e caminhos e sinto uma enorme dificuldade de fazer isso porque não estou bem emocionalmente para fazer escolhas e investir energia em nada mais do que na manutenção básica da minha sobrevivência. Concentração afetada, emoções em desordem, medo, ansiedade, insônia ou sono em estado de alerta, dores no corpo, são só algumas das sensações que eu tenho.

Quando soube do ataque à Elisabeth Tenreiro, professora de 71 anos que perdeu a vida em sala de aula, em São Paulo, minha dor se agigantou e meus sintomas também. Quando vi há umas semanas uma suástica pichada na porta do banheiro masculino da minha escola, gatilhos mil foram disparados. Quando meu colega de escola foi atacado em sala há algumas semanas com uma bolinha de papel afrontosa e justificada pelo aluno por não sentir afeição ao professor, novos gatilhos. E de agressão em agressão minha alma se enche e transborda de dor. Eu praticamente não consigo dormir desde segunda-feira quando houve o ataque em São Paulo. Não consigo parar de pensar na professora morta, nos professores feridos, nos alunos assustados e na escalada de violência que cresce vertiginosamente no nosso país.

VIOLÊNCIA
Arte: Michelle MKO

Talvez alguns discordem, mas os últimos anos foram cruciais para a legitimação da violência, da intolerância e dos crimes de ódio que vêm acontecendo. O crescimento de células nazifascistas no Brasil tem sido alarmante. Os porões da Internet e das redes sociais com o repasse de fake news e de conteúdos de ódio e o estímulo a ataques, têm sido solo fértil para a promoção da violência. Poderia passar o dia enumerando os problemas que estamos vivendo na esfera da violência, da fragilidade da saúde mental de profissionais da educação e também de crianças e jovens, mas preciso reservar um espaço para tentar pensar em soluções. Que soluções podemos criar para conter esta maré de ódio? Só consigo pensar em três: amor, educação e luta. Amor em pequenos gestos. Na escuta de quem está passando por angústias e aflições. Amor no acolhimento de cada um que está passando por turbulências emocionais. Educação como uma pedagogia libertadora e transformadora. Educação como fomento de inclusão e tolerância ao diverso e ao plural. E luta.

Luta pela garantia e pela  manutenção dos direitos básicos que têm sido pouco a pouco vilipendiados ou extinguidos pela ganância neoliberal. E luta amada, não armada. Porque de armas, as esquinas dos condomínios de luxo, as vielas  de comunidades pobres e os grandes latifúndios estão cheios. Armas estão também nas mãos dos que assinam documentos e decretos e que tentam burlar as leis que existem e deveriam valer para todos. Armas em canetadas que criam mecanismos jurídicos e políticos de sucateamento do serviço público, principalmente na Educação.

   

Carrossel via @institutoluizgama

Estas armas, estão aí, espalhando mortes, ceifando vidas, sonhos e oportunidades. As soluções partem de ações individuais, mas precisam atingir o coletivo. Porque essa história de ninguém soltar a mão de ninguém é real e necessária. A dor é individual, mas é também coletiva. A violência é contra um e também contra todos. A suástica está sendo tatuada no curso atual da nossa história. A bolinha de papel está sendo atirada na cara dos nossos direitos feridos. A facada é nas costas e no peito do Brasil. A morte é física, mas é também simbólica.

Luto e luta.

Foto

Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

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