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Quem são as Mães de Haia

Conheça a história dessas mulheres que têm que lutar pelo simples direito de ver os filhos

Por Paloma Chierici

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Haia, ou Den Haag em holandês. Terceira maior cidade holandesa com pouco mais de 1 milhão de habitantes (contabilizando a área urbana e metropolitana) é a capital administrativa do país, além de ser a sede da realeza. Sim, a Holanda é um país em que a monarquia ainda existe. Para mim, particularmente, Haia é a cidade onde moram minha irmã, meu sobrinho e meu cunhado e para onde viajo no fim do ano para curtir as férias ao lado da minha família e dos amigos maravilhosos que fiz por aqui – uso “aqui”, porque escrevo este texto justamente em Haia.

Acho que é de conhecimento geral que a capital da Holanda é Amsterdam, mas é em Haia onde as decisões, efetivamente, são tomadas. Decisões essas que podem afetar a vida não só de holandeses, mas de todas as pessoas do globo, incluindo, claro, a sua que lê este texto. E, se você for mulher, mais ainda. Então, como diz o poeta: senta que lá vem a história. Mas, desta vez, as histórias (e são várias) não são divertidas e quase nunca têm um final feliz. São histórias que poucos conhecem, histórias cujo roteiro foi escrito em Haia há mais de 30 anos, histórias com enredos que dilaceram corações e, o pior, são histórias reais! Não são histórias, são as vidas das Mães de Haia.

Há algum tempo, fui casada com um mexicano e, durante o período que morávamos no México, sempre me recomendaram, se fosse ter um filho, que ele não nascesse por lá. Nunca entendi muito bem o porquê daquelas advertências, mesmo porque não pensava em ter filhos, então, não me preocupei por isso. E mal sabiam essas mulheres que me alertavam que o “perigo” não era só ele nascer por lá. Com o tempo, fui ouvindo e vendo, nos noticiários, histórias de brasileiras que estavam brigando pelo direito de levar, para o Brasil, os filhos que tiveram com estrangeiros ou, até mesmo, pelo direito de simplesmente vê-los.

Pouco a pouco, fui associando esses casos às recomendações que recebia quando ainda era casada. Até que um dia, minha irmã me contou, com tristeza, a história de uma amiga que estava há meses sem ver o filho, porque ela havia se separado do marido holandês e ele, de pirraça ou de maldade mesmo para vê-la sofrer, havia se mudado para a Alemanha com os filhos e a nova esposa. E eu disse, mas uai, ela é mãe e, geralmente, filhos ficam com as mães em uma separação. E minha irmã respondeu, não uma Mãe de Haia como ela.

Na minha ignorância, pensei que ela fosse uma mãe de Haia, porque ela morava em Haia. Enquanto minha irmã me explicava mais ou menos do que se tratava, minha revolta foi crescendo. Não sou mãe, mas sou mulher, sou ser humano, não posso concordar com isso. É machista, é retrógrado, é inumano! Assim sendo, aproveitando minhas férias em Haia, fui procurar pelas mães de Haia que podem estar em qualquer lugar do mundo e precisam ser ouvidas e apoiadas. Encontrei um perfil no Facebook (clique aqui para conhecer). Por motivos de segurança, as administradoras não quiseram se identificar, mas compartilharam suas experiências. Convido a todas e a todos a conhecerem as Mães de Haia!

Foto: Perfil no Facebook das Mães de Haia

O que é a convenção de Haia?

A Convenção de Haia é um acordo internacional, que atualmente conta com 101 países signatários, a premissa da convenção é impedir que crianças sejam retiradas de seu país de residência habitual sem a autorização de ambos os pais ou o guardião legal do menor.

Quando a Convenção foi aprovada, em 1980, a maioria dos casos de subtração dos menores era cometida pelos pais, descontentes com a atribuição da guarda à mãe. Não era incomum que eles, em represália ou em autodefesa, levassem os filhos para o exterior, onde acreditavam poder viver sossegadamente, ao lado dos seus rebentos. O quadro hoje em dia é outro. A mãe se tornou o sujeito ativo dessa conduta e muda com o filho (normalmente voltando para sua terra natal) especialmente por motivos de violência doméstica, problemas financeiros e emocionais, onde acredita que irá encontrar refúgio e proteção.

Esse tratado é muito importante e é julgado no âmbito federal, não é um processo qualquer, e a pessoa que pensa que encarar um processo desses é fácil, pense 2 vezes.

Ainda há o lado criminal, pois muitos países criminalizam o sequestro parental e quando a pessoa perde e volta com a criança, muitas vezes, será presa e, na maioria das vezes, perderá a guarda da criança, muitas mães ficam sem poder ver seus filhos ou só podem ver com visita assistida, é realmente triste.

Como surge a ideia de fazer o perfil no Facebook para dar visibilidade a esse tema?

Há pouco mais 4 anos, não havia muitas informações na internet sobre o tema, e especialmente nada que pudesse dar suporte para as mães e informações concretas, então, uma das administradoras começou a buscar na internet outras mães que pudessem ter o mesmo problema e, assim, decidiram criar uma página, oferecendo informações e apoio.

O que geralmente acontece com as mães brasileiras, você pode contar alguma história mais complexa?

Normalmente, a mãe volta pro Brasil, porque sofre violência doméstica lá fora, quando tenta buscar proteção da polícia ou legal no país em que vive, muitas vezes, é ignorada, sofre preconceito por ser estrangeira e se encontra em uma posição desfavorável em relação ao pai. Algumas também voltam pois o “pai” abandona a família e elas não conseguem sustentar a si e aos seus filhos sozinha.

Uma história muito trágica foi de uma mãe que, após lutar 8 anos para ficar com seu filho no Brasil, foi surpreendida com uma decisão que levou de volta seu filho para a Europa, ela acompanhou o filho junto neste retorno, pois foi garantido que não havia nenhuma queixa criminal contra ela, porém, ao chegar na cidade, foi surpreendida pela polícia e foi presa, ficou 1 ano na cadeia de segurança máxima, enquanto o filho sofria maus-tratos por parte do “pai”. Quando conseguiu ser liberta, alguns meses depois, o pai largou a criança com mala e tudo na porta da escola e não quis mais saber do filho. O que vemos, na maioria dos casos, é que os pais agem por pura vingança, e não pelo desejo de estar com filho. Mas sim para punir a mãe por ter voltado para sua terra natal.

A sociedade mudou muito desde a Convenção de Haia, mas por que ela continua prejudicando tantas mulheres?

A Convenção de Haia é um tema extremamente mal divulgada, as pessoas hoje se relacionam online e podem conhecer pessoas do mundo todo, ou mesmo famílias que vivem aqui no Brasil e decidem emigrar para ter melhores condições, porém, ao chegar lá fora, muitas vezes, as pessoas mudam de atitudes e mostram seu pior lado, é onde as mulheres acreditam que poderão voltar para casa e acreditam que isso não terá consequências, mas há e são consequências devastadoras.

Ninguém começa um relacionamento achando que vai dar errado, mas pode dar, e normalmente o elo mais fraco é o que sofre mais, as mulheres, muitas vezes dependentes de seus parceiros, são as que sofrem mais e se veem sem saída.

Por que não há mudanças?

É difícil haver mudanças, pois cada vez mais e mais países estão aderindo à convenção e às leis cada vez mais duras. Já tentamos fazer uma petição e um grupo de apoio do Reino Unido foi entregar em Haia quando houve a última reunião sobre o tema, mas nada foi feito, isso nos leva a crer que dificilmente teremos mudança na Legislação.

Qual é a posição do governo brasileiro a respeito do tema?

O Governo atual não tem se posicionado sobre o tema, não temos nenhum tipo de resposta ou posicionamento por parte deles.

Existe algum tipo de apoio?

Na verdade, não, o único apoio que temos é nossa página e algumas ONGs, normalmente europeias, que auxiliam algumas mães, mas nada muito concreto ou efetivo.

Tentamos ajudar sempre que podemos, dando orientações e, algumas vezes, encaminhando para essas ONGs.

O que se tem feito para mudar essa realidade?

O que temos feito é orientar essas mães que não tentem voltar sem autorização do pai ou do juiz, para que não venham a sofrer com um processo da convenção da Haia aqui no Brasil.

Nosso objetivo é conseguir alertar as mulheres, para que antes de decidir sair do país para se aventurar em um novo amor, saibam que essa Lei existe e que elas serão diretamente afetadas por ela caso as coisas ocorram mal.

Gostaríamos que em cada embaixada, consulado, polícia federal houvesse informações sobre o tema, para que ninguém mais diga que “eu não sabia disso”.

Como a sociedade pode ajudar a mudar essa realidade?

Se informando, passando a informação para aquela amiga que está namorando um estrangeiro e pretende mudar de país, para aquela que já mora fora e quer ter filhos, aquela que já tem filhos e as coisas já não estão boas e quer voltar para o Brasil.

Somente com prevenção conseguiremos evitar que mais mães e filhos sejam separados.

Perfil no Facebook oferece informações e apoio às Mães de Haia. Foto: Facebook

É preciso estar atento a:

1º Há pessoas que acham que, porque a criança nasceu no Brasil, elas podem mudar de país e depois voltar para cá sem problemas, não pode! Se pai e mãe mudaram de país, de comum acordo, a residência habitual da criança passa a ser aquele país e, portanto, a pessoa está sujeita a autorização do país ou do juiz local para poder retornar.

2º Outra situação comum, as pessoas acham que autorização de viagem pode ser usada para mudar de país, e não pode! A maioria dos casos ocorre assim, a mãe vem passar férias aqui e não volta mais, normalmente, lá a situação não está fácil e ela decide tomar essa atitude, pensando que aqui será protegida e infelizmente não será.

O pai, mesmo que não tenha dinheiro para um advogado, será defendido gratuitamente aqui no Brasil pela AGU ( Advocacia Geral da União) e, muitas vezes, a mãe não consegue um defensor público e é super difícil achar um advogado que saiba fazer uma defesa nessa tema, normalmente, as mães acabam mal assessoradas e ficam em desvantagem em relação ao pai (Normalmente ou ele tem dinheiro e contrata ótimos advogados ou a AGU o defende, e os advogados da AGU são todos especialistas em Direito Internacional) e então a mãe já começa o processo em desvantagem.

Essa era uma situação que gostaríamos de mudar, para que não houvesse essa defesa por parte da AGU, para que o pai tivesse que contratar um advogado ou procurar a defensoria, assim como faz a mãe, pois, na maioria dos países, não é oferecido esse apoio jurídico gratuito.

3º O Brasil tem sido cada vez mais pressionado a cumprir a convenção de Haia e deferir o retorno da criança com rapidez. Há países que, em poucos meses, a criança já volta para o país de onde veio, aqui no Brasil, a morosidade do judiciário ajuda, muitas vezes, a mãe, pois acaba demorando alguns anos, mas isso tem mudado e muitos juízes estão julgando de forma bem rápida e de forma bem severa. Então, gostaríamos de alertar para isso também, pois nosso país sempre foi conhecido por dar preferência à mãe, mas essa realidade está mudando, infelizmente.

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Paloma Chierici

Jornalista, professora e mãe de pet. Ama viajar e a liberdade que isso lhe proporciona. Dá aula de espanhol e português há mais de 1 década. Como jornalista, trabalhou em televisão, em empresas e em revistas.

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