Crônicas

Cachaça e Tequila

Quando a vida me dá limão, eu faço uma caipirinha ou uma paloma? Com o pé no Brasil e o pensamento no México, meu coração sempre fica dividido entre as belezas, a culinária, a cultura e claro, as bebidas tradicionais desse dois países: a cachaça e a tequila. ¡Salud, compadre!

Por Paloma Chierici

O México e o Brasil sempre foram países muito próximos e queridos. Ganhamos uma Copa do Mundo por lá, assistimos às suas novelas, viramos fãs das suas vilãs e amamos o Chaves mais que eles até. A reciproca é bem verdadeira, mexicanos também nutrem certa simpatia por nós. E, por causa dessa relação harmoniosa, eu, brasileira de nascimento e mexicana de coração, resolvi escrever sobre esses dois lugares que adoro, mas com um olhar mais etílico e inspirada pelo ótimo programa “Drinques pelo mundo”. Claro, vou falar sobre a tequila e a cachaça!

Curioso pensar como dois países separados por mais de 8 mil quilômetros têm um monte de semelhanças também nas bebidas. A tequila e a Cachaça, mesmo uma sendo de agave e a outra de cana, acabam tendo histórias bem parecidas. Inclusive, as duas produzem drinques ótimos, conhecidos internacionalmente. No país tupiniquim, a cerveja, na verdade, é a bebida mais consumida, cerca de 61% de todo o consumo, o nosso clima contribui muito para essa hegemonia. No entanto, é a caipirinha -bebida feita da cachaça- que recebe todos os holofotes internacionais e é conhecida, lá fora, como nossa bebida nacional. No país asteca, a cerveja também é a bebida mais consumida entre os mexicanos, vale dizer que o país produz cervejas maravilhosas e, com elas, fazem drinques ótimos também como a michelada e a cubada. A tequila aparece em segundo lugar nesse pódio e, se engana quem pensa que dela, o mexicanos fazem margaritas! Bom, fazem também, mas o drinque de tequila mais comum entre eles é a paloma, por isso aparece na introdução deste texto, numa tentativa minha de parodiar o dito popular. Minha “xará” é uma bebida feita com tequila, refrigerante de “toronja”, suco fresco de limão, gelo e sal na borda do copo.

Independentemente de serem ou não as bebidas mais consumidas nesses dois países, a cachaça e a tequila têm tremenda representatividade mundial. E, assim como o champanhe, nome dado somente aos espumantes produzidos nessa região da França, as duas têm a mesma pompa. Em 2016, México e Brasil assinaram um acordo chamado, sugestivamente, de Cachaça-Tequila, no qual os dois países se comprometem em nomear assim, apenas as bebidas produzidas nos seus países de origem. Ou seja, só é tequila a bebida de agave feita no México e só é cachaça a bebida de cana feita no Brasil. Famosas internacionalmente e com algumas garrafas podendo custar muitos reais e muitos pesos, as duas bebidas tiveram, e ainda têm, uma origem muito humilde. Senta que lá vem a história.

A cachaça

Nunca escondi meu bairrismo. Sou mineira de Belo Horizonte e não canso de propagar tudo o que de bom produz meu estado. Como “embaixadora” de Minas lá no México, sempre enchia a boca para dizer que, aquela bebida que todos conheciam como símbolo do Brasil, nasceu no meu estado.  Bom, me resguardo em uma certa licença poética para justificar a mentirinha. Há relatos de produção de destilados de cana-de-açúcar que datam de 500 a.C. lá no Paquistão. Poderia me defender dizendo que são só destilados, já que cachaça mesmo, só aquela feita no Brasil, mas também continuaria contando mentira. De certa forma, a história da cachaça no Brasil começa quando os portugueses trouxeram ao país as primeiras mudas de cana, e isso aconteceu em Pernambuco, dizem, onde destilaram a primeira entre os anos de 1516 e 1532. 

Se bem que, com a descoberta do ouro em Minas, os alambiques se espalharam pela região. Com a popularização da cachaça, a Coroa logo tratou de taxar a bebida. Essa medida, entre outras, gerou o descontentamento da colônia, iniciando a Conjuração Mineira, há quem diga que, como símbolo de luta pela independência, as reuniões conspiratórias dos inconfidentes eram regadas à cachaça. Tempo depois, com o fim do trabalho escravo e a intensificação do cultivo do café, a burguesia brasileira passa a ter ideais elitistas, fugindo dos costumes rurais e consumindo produtos europeus. Com isso, a cachaça, como um produto nacional, foi tremendamente renegada e tida como algo sem valor, destinada aos pobres, incultos e negros. Contra esse pensamento, Mario de Andrade lança, na Semana de Arte Moderna de 1922, um estudo chamado “Os Eufemismos da Cachaça”. E logo outros intelectuais começaram a estudar a importância cultural dessa bebida no Brasil e, em 1996, ela ganhou o título tipicamente brasileiro.

Aceito que a cachaça não surgiu em Minas, mas não nego que o estado é, atualmente, o maior produtor da bebida no Brasil e tem recebido muitos prêmios internacionais por suas produções.  Hoje em dia, a cachaça em Minas tem uma produção artesanal e algumas garrafas chegam a custar bem caro. Em uma pesquisa rápida no Google, cheguei a encontrar garrafas que custam 2 mil golpes, digo, reais. Parece que o jogo virou e aquela bebida, outrora desprezada, hoje se vê bastante elitizada.

Particularmente, acho essa elitização da cachaça deveras interessante. Meu primeiro contato com a bebida foi, ainda criança, na terra do meu pai, Nelson de Sena (São João Evangelista/MG), quando íamos nas férias e ele nos levava para conhecer os alambiques. Depois, já maior de idade, no bar do meu amigo Lau, lá em Córrego do Barro (Pará de Minas/MG) via muitos se embebedarem com a única bebida que podiam pagar, a cachaça, que era armazenada em grandes compartimentos e produzida na região mesmo. Foi nesse bar que provei, pela primeira vez, esse produto tipicamente brasileiro… ohhh trem que desce queimando! Não dei conta! Até que me ensinaram um “ritual”: limão, sal e Cachaça. Depois descobri que isso tem vários nomes como “rabo de galo” e outros que não posso escrever por aqui. A cachaça pura, para mim, ainda é muito forte. A caipirinha, apesar de muito doce para meu paladar, é mais suave e gosto, um copo já me basta.

Minha relação com a cachaça ainda está restrita à sua forma mais popular. Meu contato com a bebida só aconteceu nas cidadezinhas mineiras. Ainda não tive a oportunidade de tomar uma que custasse tão caro.

A tequila

¡Arriba, abajo, al centro, pa dentro! Anos morando no México e tomei tequila uma única vez falando essas palavras. E isso não porque os mexicanos puxaram o coro, mas sim porque queria fazer como ouvia no Brasil. A verdade é que essa não é uma forma muito tradicional de beber tequila no México. O sal e o limão são até comuns, mas, para eles, podem estragar uma tequila de qualidade.   El tequila, é uma palavra masculina em espanhol, conta a lenda que surgiu por acaso. Dizem que um raio atingiu uma plantação de agave, uma espécie de cactos, gerando um grande incêndio que, com o vapor, produziu um mel bem doce e com bom aroma que chamou a atenção dos nativos. Eles logo descobriram que, ao fermentar esse mel, ele produzia um efeito de euforia e relaxamento e acabaram acreditando que haviam recebido um presente dos deuses.

A bebida é tão especial que existem quase 300 espécies de agave e só de uma delas se pode produzir a tequila. Esse nome vem da região onde ela surgiu, a cidade de Tequila que fica no estado de Jalisco. Mesmo estado em que ficou a seleção brasileira na Copa de 70. Talvez a bebida que foi “presente dos deuses” tenha nos dado alguma sorte nessa conquista. Assim como a cachaça, a tequila tem uma vertente mais popular. Nas tradicionais cantinas mexicanas, ela não custa mais que 15 pesos a dose servida pura (uns 3 reais). Mas, também em uma rápida pesquisa, encontrei garrafas a 4 mil reais e umas de até 225 mil dólares… como assim, gente? Sou da época em que pagávamos 5 reais numa dose no extinto Café Cancun e com direito a chacoalhar a cabeça.

Quem é de BH e nasceu nos anos 80, como eu, vai se lembrar do Café Cancun. E foi lá que provei, pela primeira vez, a tequila. Minha impressão? ohhh trem que desce queimando! Quando fui morar no México, na minha primeira festa por lá, o bar era liberado, mas só havia uma bebida alcoólica: a paloma. Achei o máximo ter um drinque com meu nome e fui beber sem saber do que era feito. E, para minha surpresa, era feito de tequila que, até então, não gostava. Pois da paloma eu gostei, ¿cómo no? Só que ainda continuava resistente em relação à tequila pura. Até que em um dia 15 de setembro, uns alunos me convidaram para almoçar e comemorar a independência mexicana, a maior das festas daquele país e a mais legal também. Para minha surpresa, eles pediram uma garrafa de tequila. Na minha cabeça, estávamos em um lugar muito refinado para pedir tal bebida. Ignorância da minha parte. Educadamente disse que não gostava e que ia beber refrigerante. Um aluno me disse: essa é uma boa tequila, prove. Não lembro detalhes, mas sai do restaurante levando, cladestinamente, dois “caballitos”, copo em que se bebe tequila, e os tenho até hoje como recordação. Essa tequila que tomei custa, aqui no Brasil, cerca de 400 reais, no México é mais em conta.

Resumo da Ópera

A cachaça, depois de um período renegada, hoje assume papel de destaque no Brasil. A tequila, presente dos deuses, tem também seu viés popular e, atualmente, possui um protagonismo entre as bebidas mexicanas. Na minha eterna ponte área Brasil-México, sigo levando cachaça e trazendo tequila. Lá, vejo mexicanos se enganarem com a doçura da caipirinha e mal conseguindo se levantar depois do quarto copo. Aqui, tento mostrar para meus amigos brasileiros a delícia de se apreciar uma boa tequila, alguns exageram e acabam não conseguindo se levantar depois do quarto caballito. E, quando a vida me dá limões, eu faço caipirinhas e faço palomas, faço uma fusão desses dois países que levo no sangue e no coração.

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Paloma Chierici

Jornalista, professora e mãe de pet. Ama viajar e a liberdade que isso lhe proporciona. Dá aula de espanhol e português há mais de 1 década. Como jornalista, trabalhou em televisão, em empresas e em revistas.

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