Política

Suco de Brasil

A morte do Menino Miguel é um retrato da sociedade brasileira. O racismo estrutural mata!

Por Rúbia Meireles

 
Brasil Colônia, séc XIX, Espirito Santo: Constança de Angola, escrava da Fazendo Boa Esperança, teve seu filho arrancado dos braços e jogado em uma fornalha. A criança foi queimada viva, e o motivo, é que o choro da criança incomodou Francelina Cardoso Cunha, Sinhá, cunhada do Barão de Aymorés. De acordo com a historiadora Izabel Maria da Penha Piva, o assassinato do filho da escrava ocorreu por volta de 1880, na Fazenda de Boa Esperança, atual região da Serra de Cima Nova Venécia –  ES. O relato da historiada é de que a Sinhá ao não suportar mais o choro da criança, mandou seu feitor arrancar a criança dos braços da mãe e jogá-la no forno de fazer farinha. 
 
Brasil República, séc XXI, Pernambuco: Mirtes Souza, empregada doméstica, perdeu o filho – Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos –  que morreu ao cair do 9º andar de um edifício de luxo no Recife. A criança estava sob os cuidados da patroa de Mirtes, Sari Gaspar Corte Real, esposa do prefeito de Tamandaré. De acordo com reportagens, Miguel estava sob os cuidados de Sari, enquanto a mãe passeava com o cachorro, o menino chorou e pediu pela mãe, a patroa o colocou sozinho no elevador de serviços e o despachou. Miguel caiu do nono andar e perdeu a vida. 
 
Entre a Sinhá que joga o bebê na fornalha, e a patroa que despacha a criança no elevador existem um século e meio de história. Mas os elementos presentes apresentam poucas ou nenhuma diferença. Há tanta simbologia na morte do pequeno Miguel, fala tanto sobre a nossa história e o quanto somos ainda um país escravocrata, os avanços na luta racial é zero.  “Não há socialismo, feminismo, cristianismo, social desenvolvimentismo, o #@# ismo que seja mais importante nas Américas que a resolução das desigualdades RACIAIS como projeto continental, primeiro, fundante”, Anderson França, escritor, exilado político, colunista. 
 
 
Protesto Antirracista, Belo Horizonte, 07 de junho. Foto: Felipe Muniz. 
 
"Se até pra sonhar tem entrave
A felicidade do branco é plena
A felicidade do preto é quase
Olhei no espelho, Ícaro me encarou
"Cuidado, não voa tão perto do sol
Eles num 'guenta te ver livre, imagina te ver rei"", Ismália, Emicida.
 
Enquanto o mundo desaba por causa do Covid-19 e o assassinato de George Floyd.  Em Salvador, Bahia, Adriel sofreu ataque nas redes sociais. Adriel, um normal – como ele se intitula – é um criador de conteúdo digital, tem um perfil no Instagram @livrosdodrii, onde faz resenha dos livros que ele LÊ. Veja bem, um garoto de 12 anos, sofreu ataques nas redes sociais por que faz resenha de livros, parece absurdo, mas eu ainda não revelei tudo: Um garoto negro, de doze anos, sofreu injúrias raciais nas redes sociais. 
 
Print da página @livrosdodrii. 
 
Ana Clara Barbosa, 11 anos, foi alvo de crime racial no YouTube. A adolescente é Youtuber há três anos,e, em seu canal, ela dá dicas de maquiagem, cuidados com o cabelo e looks para festas. 
 
Em Laranjeira, bairro da zona sul do Rio de janeiro, Ndeye Fatou Ndiaye de 15 anos, aluna do colégio Franco-Brasileiro, sofreu crime racial praticado por também alunos da mesma escola. 
 
Até para Sonhar tem entrave..
Esses casos repercutiram nas redes, ganharam destaque.  Todos aconteceram, nos últimos três meses, e, infelizmente, não são os únicos. Os casos de racismo são praticamente diários. Se eu fosse parar e relatar todos dos quais tomei conhecimento, não haveria páginas que caberia.  Mas  esses três me chamaram muito atenção, por que relatam casos de injúria racial praticada nas redes sociais, contra adolescentes. A psicóloga Natália Mariano, uma mulher negra que participa do grupo afro-terapeutas, falou com o Portal gama sobre os impactos do racismo sofrido durante a infância e adolescência. Para ela, quando se trata de crianças e adolescentes há um impacto muito maior, pois elas estão em processo de construção e desenvolvimento da sua identidade. “A criança e o adolescente que passa por esse tipo de situação, que sofre esse tipo de violência ela acredita naquilo que se fala sobre ela, e isso faz com que ela tenha uma imagem sobre si destorcida. ”  Ela completa ainda que o racismo causa danos psicológicos severos em quem sofre esse tipo de violência, e que esse trauma é carregado para a vida adulta, prejudicando a auto-estima dessas pessoas. 
De Felipe Neto à Puglieses, a rede tem espaço para quase todos. De encher piscina com Nutella a ensinar preparar suco detox, ninguém julga o conteúdo, consome, dá likes e enriquece seus produtores. Mas para o jovem negro, ser influencer digital existe uma barreira, e aqui, não importa o conteúdo e sim a cor da pele.  “Nós somos ágeis, inteligentes, estudiosos, vorazes, competentes , criativos, empreendedores, e a única coisa que nos impede de continuar assim, é que as oportunidades para nós são escassas”.  Sayuri Hope, escritora e ativista do movimento juventude preta. 
 
Antirracismo
“A respeitabilidade social é um  requisito fundamental para a inclusão social. Aqueles indivíduos que são estigmatizados, que são desprezados, eles encontram grande dificuldade para poderem sobreviver socialmente”, relata Adilson Moreira.  Para ele, o racismo é um sistema de dominação social que tem dois propósitos fundamentais: primeiro – garantir que pessoas brancas terão monopólio da respeitabilidade social, segundo  – reproduzir os privilégios que sistematicamente beneficiam pessoas brancas.  Adilson Moreira é Professor Doutor pela Universidade de Harvard em Direito Antidiscriminatório, participou da Jornada Feminismos Plurais com Djamila Ribeiro.  Ao qual eu recomendo fortemente que todo mundo assista, porque o primeiro passo na luta antirracista é reconhecer que somos todos racistas em algum grau. E só a educação e conhecimento sobre o tema pode mudar essa situação. 
 
Os protestos antirracistas ganharam o mundo. Pessoas sendo questionadas sobre seu racismo. A História vai ser relida. A estátua de Edward Colston, traficante de pessoas, foi derrubada e jogada num rio. A estátua de Churchill  foi pinchada com a frase: era um racista. E a 16th Street, a rua em frente a Casa Branca, agora se chama Black Lives Matter plaza. Mas por que agora? alguém respondeu o seguinte: “racismo sempre existiu, ele só está sendo filmado”.  E as cenas não pegaram bem. E trouxe revolta, trouxe protesto. Que são muito relevantes e necessários, mas é também preciso reflexão individual. Quem somos nós diante da crise racial? Que valores são essenciais? Como eu posso ajudar na luta antirracismo? “o seu SILÊNCIO também me mata, seu voto em candidatos que não tem consciência racial, que adoram expor suas ideologias racistas, genocidas e que não sentem um mínimo apreço pela minha vida, também me assassina”.  Sayuri Hope, escritora, ativista do movimento juventude preta. 
Podemos começar a consumir conteúdo de pessoas negras – filme, livros, teatro, música, aulas, terapeutas, páginas de notícias, canais no youtube, etc… Podemos também contratar pessoas negras para cargos de destaque dentro das empresas, gerente, diretores, coordenadores. Devemos apoiar e lutar ao lado de quem sofre. O Adriel, após o ataque, bateu a marca de 800 mil seguidores no canal. A Ana Clara, agora é garota propaganda de uma marca de cosméticos para cabelos cacheados e crespos. Os alunos do Franco-Brasileiro foram indiciados pelo crime de racismo. “É preciso escrever não apenas nas ruas e avenidas, mas dentro de nós,”.  Anderson França. 
 
 
Olha o Adriel aí. Dando uma resposta há quem o insultou.  Print da página @llivrosdodrii
Foto

Rúbia Meireles

Jornalista de formação, é especialista em Marketing e entende tudo sobre pesquisa e comportamento do consumidor. Está sempre aprendendo alguma coisa nova.

COMENTÁRIOS

  • Rúbia Meireles

    Obrigada pela leitura. É preciso estar atendo e forte.

  • Adelina Serakides

    Amei seu texto tão elucidativo, forte, presente e atual. Um verdadeiro alerta!

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