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Jornalismo, profissão voraz

O jornalismo em tempos de pandemia e a realidade do dia a dia dos profissionais.

Por Rúbia Meireles

“Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte”. Gabriel García Márquez

No último dia 07 de abril, celebrou-se o Dia do Jornalista. Um dia depois, a jornalista Maria Beltrão desabou em prantos na bancada do jornal do Estúdio I, enquanto cobria o caso do menino Henri, morto aos quatro anos.

” A gente está falando de… Ah, já vou chorar”. A gente está falando de algo difícil de se qualificar ou definir. O que a Cecília acabou de mostrar, com essa entrevista coletiva, – e me desculpe por me emocionar, a gente vive em uma época difícil, né?  Desculpem o meu descontrole emocional”

O choro da Maria Beltrão, traduz o que todos nós estamos sentindo nesse momento: ESGOTAMENTO MENTAL.  Sim, estamos todos esgotados, principalmente os jornalistas que estão no front, que precisam estar todos os dias em uma bancada de jornal, em uma redação. Não é apenas sobre hoje, é um choro acumulado. O peso de tanta notícia ruim, dia após dia. Ninguém quer dar boa noite e dizer: o Brasil é o país com o maior número de mortes pelo Coronavírus, são 358.000 mortes desde o início da pandemia – dado atualizado em 14/04/21 às 12h – ninguém quer, acredite. 

Ana Carolina Ferreira, editora do programa Bom Dia Minas – Globo Minas -, diz que está emocionalmente fragilizada por lidar diariamente com notícias muito intensas, ela diz que não há um dia em que não escreva a palavra Covid-19. Para ela, o momento pelo qual o país está passando, faz com que se sinta emocionalmente abalada e com a compaixão mais aflorada.

Ana Carolina conta sobre um dia – que foi o mais difícil no exercício da profissão -:”Era abril ou maio do ano passado, a pandemia estourou no meio de março, e começou a mostrar as suas consequências pelo fato de as pessoas ou ficarem desempregadas ou terem que ficar em casa. E aí, fui fazer uma matéria sobre a corrente solidária que estava se formando, para arrecadar informações para essas famílias de catadores. E apenas um único projeto lá em Montes Claros, tinha umas 800 famílias cadastradas de catadores de recicláveis e, quando eu cheguei na casa de uma pessoa, eu me deparei com uma panela com uma raspa de arroz no fundo, com recheio de feijão ralo e uma frigideira cheia de óleo gorduroso com uns quatro pedaços pequenos de uma linguiça. Era uma casa de seis pessoas e se a equipe desse projeto solidário não tivesse chegado com uma cesta básica naquele momento, e eu estava acompanhando isso, aquela família não ia ter o que comer, porque já não tinha… E eu cheguei em uma outra casa, e quando a mulher abriu o armário não tinha nada. Foi um dia que eu cheguei na redação e eu decidi gravar um vídeo para postar nas minhas redes sociais fazendo um apelo para as pessoas de Montes Claros, que doassem alimentos, na medida do possível. Porque tinha muita gente passando fome. E aí eu lembro que chorei muito, porque não foi fácil ver o outro sem perspectiva. E mais do que isso, não é uma questão de perspectiva, é como eu vou me nutrir para me manter viva. Então esse foi um dia que me deixou emocionalmente fraca. Bem abalada”.

Joana Tavares de Almeida Gontijo, repórter do Jornal Estado de Minas, também relata um pouco sobre a experiência de escrever sobre a pandemia – apesar de não trabalhar muito voltada para o hardnews, e produzir matérias mais analíticas – ela conta que é difícil não se envolver com tantas histórias tristes, mas procura não dar vazão a pânico e sofrimento e, esclarece que: “compreender a situação difícil das pessoas é algo que sempre esteve em mim – a questão da empatia”.

Rotina alterada…

Tanto Ana Carolina quanto Joana Tavares viram a rotina de trabalho mudar da noite para o dia. Para a repórter do Estado de Minas, o novo modelo adotado é o home office, ela diz que, a partir de meados de março de 2020, começou a trabalhar em casa e conta que a cobertura sobre a pandemia também tem exigido grande esforço. “Muitas vezes, estar em casa significa trabalhar mais”, completa Joana.  Já na redação do Globo Minas adaptações foram feitas para garantir a segurança dos empregados. Ana Carolina comenta que a emissora forneceu um kit que contém máscaras, um tubo de álcool em gel e em vários pontos tem uns totens onde a pessoa pisa e sai álcool em gel para reabastecer esse próprio tubinho. Além de ter disponibilizado também, panos descartáveis e álcool isopropílico para que se higienize o teclado, a mesa e a cadeira, onde o jornalista trabalha. “E também coloca avisos o tempo inteiro, no banheiro, nos corredores. Relembrando a gente o tempo inteiro das medidas de segurança”, relata Ana Carolina.

Medida de isolamento e segurança, infelizmente, não é uma realidade em todas as redações. Alessandra Melo, Presidenta do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, diz que foi necessário acionar o Ministério Público para garantir que as empresas de comunicação criem um protocolo de prevenção e combate ao Coronavírus. “Já cansamos de notificar as empresas, de pedir a colaboração para que reduzam as ações o máximo possível, forneça EPI, forneça álcool, promova o distanciamento, mas isso entra por um ouvido e sai pelo outro”.

Recentemente, dados elaborados pelo Departamento de Saúde da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) apontam que 169 jornalistas morreram de Covid-19, entre abril de 2020 e março de 2021.

Em meio à crise sanitária, ataques à categoria crescem no Brasil…

 A violência contra jornalistas cresceu 105,7% em 2020, na comparação com o ano anterior, é o que mostra os dados do Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2020, elaborado pela (FENAJ). Ao todo, foram 428 casos de ataques – incluindo dois assassinatos. Destes, a descredibilização da imprensa foi a violência mais recorrente (152 casos), seguidos de censuras e agressões verbais, com 85 e 76 casos, respectivamente.

O aumento expressivo dos casos de agressões verbais também chama a atenção, este passou de 10 casos em 2019, para 76 no ano seguinte. No recorte por gênero, os ataques verbais a mulheres têm caráter machista, misógino e com conotação sexual, segundo afirmou Maria José, presidenta da FENAJ. 

O relatório aponta ainda que o Presidente da República, Jair Bolsonaro é responsável por 175 casos de violência contra a categoria, sendo 145 ataques genéricos e generalizados a veículos de comunicação e a jornalistas, 26 agressões verbais, 2 ataques à FENAJ, 1 ameaça direta a jornalista e 1 ameaça à Globo. Na sequência estão servidores públicos, políticos e internautas.

Alessandra Melo, Presidenta dos Sindicato dos Jornalistas, vê com assombro o crescimento vertiginoso dos casos de violência contra o jornalista, ela conta que antes os casos comuns como ameaça, ameaças virtuais estão deixando de ser virtuais e passando pra agressão de fato é que o sindicato tem acompanhado de perto todos os casos e encaminhado para os órgãos competentes, mas entende que a ação do sindicato é limitada por não terem força de lei. “Então o que o sindicato tem feito é cobrar insistentemente das autoridades que tomem providências efetivas contra a violência. Precisa investigar, precisa processar, precisa punir da forma da legislação, porque isso é uma ação pedagógica para evitar que isso continue em escala absurda. Crescendo a cada dia mais”. 

“A gente vive em uma época difícil, né?  Desculpem o meu descontrole emocional”

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Rúbia Meireles

Jornalista de formação, é especialista em Marketing e entende tudo sobre pesquisa e comportamento do consumidor. Está sempre aprendendo alguma coisa nova.

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