Cidades
consciência negra

Enegrecendo

Lives empresariais debatem o antirracismo nas estruturas da sociedade. Fazendo uma autorreflexão e procurando entender seu compromisso na luta antirracista.

Por Rúbia Meireles

Somos avaliados socialmente pela nossa aparência e cor a todo tempo, nossa pele deve corresponder a um determinado status social, quanto mais a pele for clara, maior será a probabilidade de ser aceito.
Pessoas de pele mais clara desfrutam de privilégios substanciais que ainda são intangíveis aos seus irmãos e irmãs de pele mais escura. Na verdade, pessoas de pele clara ganham mais dinheiro, frequentam por mais tempo a escola, vivem em bairros melhores e casam-se com pessoas de maior status social do que pessoas de pele mais escura da mesma raça ou etnia.” (Hunter, Margaret. The Persistent Problem of Colorism: Skin Tone, Status, and Inequality.)
Como se manifesta a discriminação racial? As empresas Herhenhoff & Prates e a Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado convocaram seus comitês de diversidade para responderem a essa questão. O resultado foram duas lives maravilhosas na qual funcionários contaram suas histórias e relatos.  Divido com vocês um pouco de cada narrativa.  

“Com a palavra..

Nathália Reis, Antropóloga: 

Conhecido como mês da consciencia negra, o mês de novembro entrou oficialmente no calendário escolar em 2003 resultado da luta de movimentos negro que começou no Estado do Rio Grande do Sul e ganhou nacionalidade. O dia 20 de novembro marca a morte de Zumbi dos Palmares, por isso essa data é o momento de enegrecer a consciência. 

Nossa trajetória é sempre muito solitária. Do jardim de infancia a universidade eu era sempre a única mulher negra e isso faz a gente duvidar muito da nossa capacidade. É duro ser sempre a única. Eu trabalha no Bairro Santo Agostinho, bairro nobre da região sul de Belo Horizonte, e quando eu chegava de manhã para trabalhar eu era a única mulher branca que estava indo para um trabalho que eu escolhi, uma profissão que eu amo e isso me deixava feliz. Mas ao mesmo tempo me dava uma tristeza de ver que os meus estavam chegando naquele bairro para trabalhar nas casas, para limpar a moradia dos brancos, cuidar dos filhos dos brancos, que é o que os meus  fazem desde a escravidão e isso me choca muito. 

Aldiceia Silva, assistente de suporte:

Um dos momentos que eu vivi foi olhar para a TV e não me enxergar. Um dia eu perguntei a minha mãe se o meu cabelo iria crescer, eu assistia aos contos de fada e as princesas tinham um padrão, ao qual eu não me encaixava. o dia 20 não é uma festa, é dia de enegrecer a consciência e ocupar espaços. 

Nesse processo de criar consciência, é preciso que todes nos questionemos, por exemplo, quando chegamos em determinados espaço (principalmente de transformação ou deliberativos) e não encontramos pessoas negras, porque não estão lá. Que não seja normalizado a ausência de pessoas negras nos espaço em nosso país.

Bruno de Paula, analista de diálogo: 

Nos perceber como uma pessoa negra vem da infância, começa com os apelidos. A gente tem uma representação mais negativa de si. Quando você é um jovem negro tem que lidar não apenas com apelidos, mas também com a violência do Estado. Uma vez um agente de polícia apontou a arma para mim pensando que eu era um criminoso. Depois ele percebeu que cometeu um engano. Então, a gente vê nossos corpos regulados pela violência, você sente medo de correr na rua e ser confundido com um criminoso. Ao passo que a branquitude é sempre sinônimo de beleza e poder. O racismo vai nos moldando, é isso que chamamos de racismo estrutural. Acreditamos que o Brasil é um país miscigenado, mas eu percebi que  a democracia racial é um mito.  Ser uma pessoa negra é ser um corpo estranho. Eu fui o primeiro negro da família a acessar uma faculdade, o primeiro a fazer uma viagem internacional. 

consciencia negra
Foto: Arquivo pessoal

Ludmila Alves, Design:

Uma situação no primário me deixou traumatizada. Eu levei um lanche para a escola e na hora do recreio aconteceu uma troca de lanches, uma colega pegou a minha comida na geladeira, eu reclamei com a professora e disse que aquele lanche era o meu, mas a professora acabou dando o lanche para a minha colega. O episódio foi traumático por que na leitura daquela professora eu, uma menina negra, filha de uma enfermeira e um motorista não teria condições de levar aquele lanche para a escola. Apesar de estudar em escola particular , a gente ainda precisa escalar um muro. Precisamos fazer o dobro para sermos vistos como iguais.  Quando eu cheguei na faculdade teve outra professora que me marcou. Ela ficava muito chocada com meus resultados, a reação dela aos meus trabalhos era sempre de espanto: “nossa, mas ficou muito bom né!”, ela se espantava da minha inteligência, minha espontaneidade, minha criatividade.

Mayara Magalhães:

“Cabelo ruim. Por que você é dessa cor, não toma banho?”. Eu tinha sete anos e era assim que meus colegas me tratavam. Eu chorava muito, reclamava com a professora e ela não fazia nada. Na adolescência eu era a feia, a neguinha, a escrava. As pessoas me tratavam assim, e eu me dei conta que o problema era minha cor, minhas feições, e eu fiz um trato comigo mesma de que eu não iria mais tomar sol. Imagina eu morava em Manaus, e, um calor de 40º graus e eu não ia a clubes, evitava o sol. 

Na idade adulta, na época da faculdade foi espaço de reconhecimento da minha negritude, eu comecei a me empoderar, a ter voz.

Eu não sou seu negro! Associação Brasileira de Pesquisa discute o antirracismo na pesquisa de mercado.  

Danilo Alves, Mercadólogo:

Você olha para o lado, você olha para cima e vê que é sempre o único. Nesse ramo é muito comum você não encontrar seus pares. 

Carlos Marinho, Pesquisador:

O racismo é muito cruel, ele toca diretamente no psicológico. Nesses vinte e cinco anos trabalhando com pesquisa eu já vi de tudo um pouco quando o assunto é racismo. Já vi casos de tirarem negro de grupo de pesquisa focal, não colocarem pesquisadores negros para aplicar questionário em shopping, nas pesquisas residencias ter moradores que não abriram as portas para um pesquisador negro e, quando foram abordados por um pesquisador branco aceitaram participar da pesquisa. É Cruel.

Maria José, Pesquisadora:

Um amigo me indicou para uma vaga de emprego em um banco, quando eu cheguei o empregador questionou o meu amigo: “mas você não me disse que ela era negra”. Eu fiquei tão triste aquele dia. Por fim, consegui a vaga, e eu trabalhava o dobro, dei muito duro, queria mostrar pra ele assim: Sou negra e sou competente. “

Espero que cada história tenha te tocado, assim como me tocou. E que gere reflexões que resultem na luta contra o antirracismo. 

E você, tem uma  história para contar? Compartilha conosco nos comentários. 

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Rúbia Meireles

Jornalista de formação, é especialista em Marketing e entende tudo sobre pesquisa e comportamento do consumidor. Está sempre aprendendo alguma coisa nova.

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