Decoração e Arquitetura

O pobre e o arquiteto

Prepara-se para ler uma história emocionante entre um rapaz pobre e uma conceituada arquiteta

Por Ana Horta

Clayton Silva de Carvalho e Kézia de Faria Ferreira são um jovem casal que estão criando uma vida a dois juntos. Eles moram de aluguel. O pai de Kézia tem um imóvel o qual aluga para ter uma renda extra e sugeriu ao casal que – ao invés de alugar um imóvel de algum estranho – locasse o dele. O casal aceitou. Como o imóvel futuramente será de Kézia, o casal decidiu investir no imóvel para morar com mais conforto e qualidade.

Clayton e Kézia
Clayton e Kézia. – Foto: Arquivo pessoal

Foi quando Clayton começou a mergulhar no mercado da construção e reforma. Nenhum dois havia mexido com isso antes. Clayton é cuidador de idosos e Kézia é vendedora. Como todo mundo que quer comprar um produto ou serviço, Clayton foi pesquisar na internet. “Comecei a ver alguns vídeos, sites e descobri que existe um profissional que ajuda a gente a reformar e que não é um pedreiro. Porque o pobre, quando quer construir ou reformar pede indicação de pedreiro. O rico pede a indicação de um arquiteto. Eu não sabia desse último profissional”, explica Clayton.

Neste momento, uma vastidão de possibilidades começou a surgir para o cuidador de idosos. “Eu descobri que, para o ambiente parecer maior, é importante usar um piso só. Eu, se não tivesse visto isso, colocaria, em cada espaço, um piso diferente. Vi também que, para não ter problema de vista e dor no pescoço, a TV tem que ter uma distância ideal do sofá. Isso tudo para mim foi uma grande novidade. Foi quando eu pensei: eu preciso de uma arquiteta”, explica.

Para conquistar esse objetivo, Clayton pesquisou por arquitetos em Belo Horizonte. Viu diversos, mas chegou à conclusão de que não poderia pagar por nenhum deles. “Eu fiquei revoltado. Vi aqueles sites lindos de arquitetos e não vi nenhum profissional que fazia alguma ação social. Não falo nem que fosse um trabalho de graça. Não! Mas que eu pudesse pagar. Recentemente, eu tive um problema sério com a minha cachorra. Eu a levei ao veterinário que disse que ela estava com câncer e que deveria comprar remédios para ela. Quando ele me disse o valor deles, eu disse – com muita tristeza – que não poderia pagar. Sabe o que ele fez? Me deu amostras dos remédios. Infelizmente, ela faleceu por causa da doença mesmo. Mas graças a ação dele, ela partiu sem sofrer tanto. Por que arquitetos não podem fazer o mesmo? Eles já não ganham muito? Por que não ajudar quem mais precisa?”, comenta.

Imerso nessa indignação, Clayton escreveu um e-mail (veja abaixo) e mandou para diversos profissionais que ele mais gostou na internet. “Eu comentei com a minha esposa que ia enviar essa carta com intuito de desabafo. Não tinha nenhuma esperança de que alguém visse e atendesse minha solicitação. Mas isso aconteceu. Eu tenho certeza que foi Deus que me guiou a ter essa atitude e chegar numa pessoa tão sensacional para me atender”, emociona-se

De fato, a mensagem de Clayton chegou a uma das mais conceituadas profissionais da arquitetura e design de Belo Horizonte, Gislene Lopes. “Quando eu recebi o e-mail dele, eu disse a minha equipe: eu vou fazer para ele. Pode responder a ele que eu vou atendê-lo”, diz a arquiteta.

Segundo ela, esse tipo de ação na área de arquitetura é realmente rara de acontecer. “Eu não posso afirmar que isso não ocorre. Eu sei que existem algumas ações solidárias na nossa área, mas – de fato – são pouco comuns”, salienta.

Gislene Lopes
Gislene Lopes. – Foto: Arquivo pessoal

Mulher cristã, Gislene Lopes acredita que nada é por acaso. “Acredito que já estava programado por Deus, quando me deu essa profissão, que eu pudesse ajudar alguém, escolheu ele e eu me empenhei demais. Consegui, junto à Bel Lar, alguns materiais de doação e os outros eles estão comprando com o dinheiro deles mesmo. Se Deus me deu essa capacidade, me presenteou com esse curso, me ajudou financeiramente, eu preciso contribuir com as pessoas que precisam e essa é uma forma que utilizo para agradecer a Deus por tudo o que me deu e dá diariamente. Recebi esse e-mail como sinal de Deus. Como se ele estivesse vendo se eu estou o honrando mesmo. Porque quem honra a Deus, divide. Quem honra, ajuda. Porque quem recebe de Deus, quer dividir e eu tenho esse prazer”, explana Gislene.

Projeto em andamento – Foto: Arquivo pessoal

Neste momento, a obra de Clayton está em andamento. “A gente, pobre, fica feliz com tão pouco, né? Outro dia, o pedreiro colocou a pia. Eu tirei foto, mandei para minha esposa e depois ficamos namorando aquilo um tempão. Parece algo simples. Mas sempre foi o sonho da minha esposa ter uma pia de pedra. Eu havia dito para ela que, a gente até não podia ter condições de ter outras coisas em casa, mas essa pia ela ia ter. Então significava muito para gente. Foi uma grande satisfação conquistar isso”, comove-se.

Projeto em andamento – Foto: Arquivo pessoal

E esse empoderamento que Clayton sentiu com relação a esse objetivo também foi algo programado pela arquiteta e sua equipe. “Penso que ajudar as pessoas não é mastigar e entregar para ele. É você dar a faca e o queixo. Ele tem que partir. Ele tem que fazer a parte dele. Nós ajudamos, com auxílio da Bel Lar, dando a eles alguns materiais, fazendo o projeto, como faço para todos os meus clientes, ele pediu modificações (como qualquer cliente) e nós fizemos, eu vou fazer a paginação, marcar tudo mostrando como ele deve assentar a cerâmica, o piso. Mas quem vai pagar por esse serviço é ele. Até porque foi isso o que ele me pediu. Fazendo assim, a gente dá mais valor e o Clayton tem dado muito valor. Eu estou muito feliz com isso. E eu acho que isso vai dar frutos. Não frutos financeiros, masa oportunidade de falar sobre Deus e mostrar toda a inteligência do Clayton. Porque ele é inteligente. Ele sabe perguntar, sabe pesquisar, ele sabe questionar. Então uma pessoa como essa merece e está fazendo por onde”, elucida Gislene.

Projeto em andamento – Foto: Arquivo pessoal

Com essa frase dita pela profissional e com esse relato que o cuidador de idosos faz a seguir,podemos concluir que sim. As pazes entre o pobre e o arquiteto foram feitas. “Eu não sabia que Gislene era tão importante na área da arquitetura. Ela veio aqui em casa. Conversou comigo, minha esposa e minha mãe. Parecia gente como a gente. Mas ela merece. É uma pessoa fantástica! É inteligente e humana. Foi sensível ao nosso propósito. Deus encaminhou ela e a equipe do escritório dela na nossa vida. Eu só tenho por eles gratidão”, finaliza Clayton.

E-mail enviado por Clayton Carvalho ao escritório Gislene Lopes Arquitetura

Boa noite pessoal.

Meu nome é Clayton Carvalho.

Gostaria de, através desse, deixar explícito a minha indignação. 

Compreendo que os senhores e as senhoras da arquitetura, estudaram, batalharam, perderam noites de sono pelas provas, enfrentaram dificuldades financeiras e psicológicas, para estarem onde estão hoje. Hoje, vocês são pessoas formadas, encaminhadas e, que agora, resta batalhar pelo pão de cada dia. Compreendo toda essa parte.

Oque não compreendo é, como na outra ponta, as coisas são tão ou quase tão impossíveis de se alcançar. Posso dar o exemplo por mim. Eu estava arrumando um barracão alguns cômodos, sala, quarto, cozinha, banheiro, área de serviço e varanda.Falando assim parece até um lugar grande, mas não é.

Nós pobres e leigos temos que contar com a criatividade que importa em nosso reino, “O QUE É MAIS BARATO?” não temos estudos e nem ajuda gratuita, pois condições financeiras nós não temos mesmo.

Mas não temos NINGUÉM, mas é ninguém mesmo, que vá falar assim….

Pode deixar que desenhamos pra você a casa, seus móveis o que se enquadra melhor em seu orçamento ou planejamento.

Olha, vemos veterinários atendendo em clínicas de graça, marceneiros ajudando o outro que está em condições destruída. Sabe pessoal, trabalhem, ganhem dinheiro, fiquem ricos, mas não perca a essência da humanidade, ajudar o outro. Você vai lá e pega um Big projeto, uma casa de 1.000m quadrados, você vai ganhar grana nesse projeto.

Porque então não ajudar uma pessoa que está precisando de você?

Peguem um projeto grande pra ganhar dinheiro, e um barracão pra fazer de graça, um vai te dar dinheiro, nome, orgulho do dever cumprido, o outro vai te dar uma alegria inexplicável. Pois você não estará colocando no papel apenas tomadas, pias, paredes, iluminação, estará colocando no papel um sonho de uma vida inteira. 

E esse sonho talvez se enquadre em um barracão de 30m ou 40m quadrados.

É apertado sim, é pequeno sim, não sabemos direito onde enfiar as coisas e, por isso mesmo, precisamos tanto de vocês. Mas infelizmente não temos condições.

A minha indignação é, eu não acho um arquiteto pra ajudar nós que não temos condições de pagar um profissional.

CLAYTON CARVALHO

 

Foto

Ana Horta

Jornalista especializada em arquitetura e decoração e pós-graduada em MKT. Há 12 anos é proprietária da Mão Dupla Comunicação, única agência em Minas especializada em arquitetura,decoração, construção civil e paisagismo. É também uma das idealizadoras do Décor Solidário, projeto social, sem fins lucrativos, que visa revitalizar instituições carentes por meio da decoração.

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