Política

Medo e estratégia

Vida ou morte: o medo como estratégia política de apagamento da oposição

A discussão sobre polarização surge como tentativa de equiparar os índices de violência política nesta eleição, mas os ataques são majoritariamente unilaterais e da parte dos seguidores de Bolsonaro, o Mito.

Por Michelle MKO

Primeiro de outubro de 2022. Estamos na véspera das eleições presidenciais mais impactantes de todos os tempos. Temos uma trajetória curta de processo eleitoral democrático, perpassada por impeachments, um deles como parte do Golpe de 2016, escândalos, fake news e agora estamos diante de um quadro dantesco de muita truculência e ansiedade na disputa presidencial. 

Antes de me ater às eleições presidenciais de 2022, por uma questão didática, vou fazer um recuo para 2014, ano em que muitos dos problemas que enfrentamos hoje começaram a ganhar força. A eleição de 2014 foi a sétima após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e ocorreu em dois turnos. Foi uma eleição na qual a internet teve um forte impacto e grande influência nas discussões de campanha. À época, Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores, PT, concorria à reeleição, após dois mandatos anteriores de Lula, do mesmo partido. Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) era seu maior opositor.

A disputa estava acirrada e muitos já acreditavam que Aécio Neves chegaria à presidência. No entanto, após a apuração, com uma margem pequena, Dilma Rousseff foi eleita com mais de 54 milhões de votos, 51,64% dos votos válidos, fazendo com que esta fosse considerada a eleição mais acirrada no Brasil após a redemocratização. Aécio Neves, com 48,36% dos votos válidos, não satisfeito com o resultado final, exigiu a recontagem dos votos e levantou suspeita sobre a lisura do processo eleitoral. Ele entrou com um pedido de auditoria no TSE a fim de apurar a contagem de votos das eleições presidenciais. Já naquela época havia boatos de fraude que circulavam nas redes sociais. Um ano depois, a auditoria conduzida e custeada pelo próprio PSDB não encontrou nenhum indício de fraude.

Aécio Neves, não eleito como presidente, reassume o mandato de Senador de Minas Gerais e, em seu primeiro discurso em plenário após a eleição de Dilma, o senador se posicionou como parte de uma “oposição incansável, inquebrantável e intransigente na defesa dos interesses dos brasileiros” e condicionando o diálogo “ao envio de propostas que atendam aos interesses dos brasileiros”. Entretanto, Aécio e boa parte do Congresso, sob comando posterior de Eduardo Cunha, passaram a obstruir as pautas do Governo Federal, criando um clima de ingovernabilidade extremamente nocivo à sociedade. 

O clima foi se acirrando até que, em 2016, sob o falso pretexto de que Dilma teria cometido um crime de responsabilidade fiscal ao ter feito uma prática comum entre os chefes do executivo, o que é conhecido como pedalada fiscal, deram um Golpe com um processo falacioso de impeachment. Os supostos crimes não foram comprovados, as acusações foram retiradas e Dilma inocentada posteriormente, mas, ainda assim sofreu o impeachment e seu vice, Michel Temer, articulador do Golpe, assume o poder.

Diversas medidas de supressão de direitos historicamente conquistados foram sendo tomadas e a crise econômica e política só se agravava na gestão pós-Golpe. Com a proximidade das eleições presidenciais de 2018, cujo contexto foi tenso, houve morte de um candidato, a execução da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, a morte de Dona Marisa Letícia, esposa de Lula e um suposto atentado à Bolsonaro, entre outras questões. Por outro lado, a Lava Jato, sob o comando do ex-procurador da República Deltan Dalagnol, o qual fazia conluios com o ex-juiz parcial e incompetente Sérgio Moro, com medidas desfavoráveis à Lula, avançava cada vez mais.

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Moro, Ministro da Justiça do presidente que ele ajudou a eleger com a condenação de Lula./ Foto: Reprodução

A suposta ação anticorrupção se agiganta e ganha espaço na mídia em uma massiva campanha antipetista com fortes ataques ao ex-presidente Lula, que pretendia se candidatar e concorrer à presidência novamente. Diversas medidas arbitrárias foram sendo tomadas até a culminância de, em 7 de abril de 2018, prenderem Lula e o mantiveram em cárcere por 580 dias. Neste meio tempo veio a eleição presidencial e Bolsonaro vence no segundo turno Haddad com 56,89%, candidato indicado de Lula. Com ausência em debates, fake news como estratégia de campanha, ataques a Lula e ao PT, discursos preconceituosos, uma promessa demagoga e falaciosa de combate à corrupção, agressividade na fala e nas ações, Bolsonaro chega à presidência em janeiro de 2019.

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Dia em que Lula se entrega à Polícia Federal para cumprir mandato de prisão. 7 de abril de 2018./ Foto: Reprodução

A soltura de Lula veio em 8 de novembro de 2019, após o STF por 6 votos a 5, rever posicionamento anterior e vetar a prisão após condenação em 2ª instância e respeitar o disposto literalmente na Constituição Federal sobre o princípio de inocência, no qual ninguém será considerado culpado senão após o trânsito em julgado (art. 5°, inciso LVII, da CF/88). Com isso, condenados em segunda instância, em que há possibilidade de apresentar recursos e provar a inocência, podem responder pelos crimes em liberdade, inclusive Lula. Ou seja, enquanto ainda fosse possível recorrer das decisões e houvesse chance de provar a inocência, um suspeito não deveria ser preso. O fato é que, Lula foi inocentado de todas as acusações, uma a uma e o ex-juiz Sérgio Moro, que, após a eleição de Bolsonaro, abandonou a carreira jurídica, foi transformado em Ministro da Justiça de Bolsonaro.

Em um segundo julgamento pelo STF, Moro foi considerado como juiz suspeito e incompetente para julgar Lula, já que muitas das acusações contra Lula foram articuladas por Moro e Dalagnol. Todas as suas acusações foram extintas e canceladas. Moro acabou deixando também o Ministério e foi buscar espaço na política para convorrer a uma vaga nas eleições de 2022. A ONU e o mundo se voltaram para a arbitrariedade da prisão de Lula e, mesmo com todos os ataques e fake news, Lula chega em 2022 como favorito para as eleições presidenciais. 

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Julgamento de Lula. Moro não imaginava que a farsa viria à tona depois. / Foto: Reprodução

Pandemia e negligência 

Com uma (indi)gestão desastrosa, sobretudo após a pandemia em 2020, Bolsonaro encaminha o Brasil para o caos político e econômico. Considerado pelos órgãos internacionais como o pior gestor da pandemia do mundo, Bolsonaro fez escolhas políticas que negligenciaram a vida dos brasileiros e levou ao trágico patamar de quase 700 mil mortes. Além das decisões irresponsáveis e negligentes, o descaso e o desrespeito com que lidou com a pandemia, com os mortos por ela e com os sintomas da doença, bem como a sustentação de ideias anti vacinais em ataques vorazes à Ciência, foram alguns desses exemplos. 

Vida ou morte

Vale ressaltar que a escalada da violência na era Bolsonaro foi intensa, principalmente legitimada pelo incentivo de políticas de maior acesso às armas e ao combate de políticas voltadas para grupos sociais historicamente mais vulneráveis. A violência política cometida pelos apoiadores de Bolsonaro se intensifica e muitas foram as mortes e agressões. 

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“Vamos matar a petralhada aqui do Acre/ Foto: Reprodução

Esperança x Medo

A cada pesquisa, maiores são os avanços numéricos de Lula na corrida eleitoral. Os ataques violentos motivados por política se intensificam e apoiadores de Bolsonaro passaram a se sentir legitimados para cometer ataques das mais diversas naturezas, incluindo assassinato de “esquerdistas e comunistas”. A discussão sobre polarização surge como tentativa de equiparar os índices de violência política nesta eleição, mas os ataques são majoritariamente unilaterais e da parte dos seguidores de Bolsonaro, o Mito. O fato é que, agora em 2022, estamos diante do desafio de escolher entre a democracia e o fascismo. Ficou tão evidente isso que houve uma grande articulação política, artística e partidária em apoio à Lula e contra Bolsonaro. A discussão sobre o chamado voto útil cresceu e pesquisas indicam a possibilidade de vitória de Lula ainda no primeiro turno.

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Foto: Reprodução

No entanto, Bolsonaro segue criticando o processo eleitoral eletrônico e espalhando insegurança sobre aceitar ou não o resultado das eleições. Personalidades e políticos do mundo todo passaram a se manifestar e o risco de uma ruptura do processo democrático de direito ainda paira no ar. O medo passou a ser uma constante entre apoiadores de Lula e seus afins, bem como em qualquer outro segmento que não seja escancaradamente bolsonarista. Por outro lado, os fiéis, cegos e intransigentes seguidores do chamado Mito, estão cada vez mais exibindo suas armas e efetuando agressões de toda natureza, sem qualquer receio. Nesta eleição, são oposições mais do que políticas e partidárias em jogo, mas estratégias de defesa e ataque, inclusive da vida e do processo democrático de direito. De uma lado se exibe com arrogância e truculência o seu alinhamento político e ideológico, de outro há medo e receio de perder a vida por defender valores e princípios básicos para o funcionamento uma sociedade politicamente saudável.

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Ensinar uma criança a simular arma e retirar a máscara de outra em período de pandemia. Violência contra todas as faixas etárias./ Foto: Reprodução

Ficamos diante uma cruel dúvida: ceder a esta invisibilização compulsória por medo da truculência e preservar nossa vida ou enfrentarmos de peito aberto a fúria estúpida dos bolsonaristas? Confesso que mesmo pretendendo continuar manifestando meu posicionamento político pró Lula e pró democracia, estou com medo. Meu look vermelho já está pronto, inclusive. Mas não nego que o medo corre na espinha, afinal o fanatismo dos seguidores de Bolsonaro é real e faz vítimas a todo momento. Com isso, acabam vindo outras reflexões. Vencer Bolsonaro nas urnas está cada vez mais perto, mas, como vencer o bolsonarismo doentio e que se sentiu legitimado a retirar do armário toda sorte de violência e preconceito? Que a vitória de Lula seja o primeiro passo rumo a uma reconstrução do país e da nossa democracia. O trabalho será árduo e dependerá de cada um de nós. Sigamos no lado certo da História! Lula é a nossa esperança! 

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Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

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