LGBTQI+
adolescentes

Cuidado aos adolescentes

Cuidado aos adolescentes LGBTQIA: qual é o papel dos médicos?

Por Ana Cristina Simões

Por +Gama

Em 17 de maio é comemorado o Dia Internacional contra a Homofobia, Bifobia, Intersexofobia e Transfobia, com o objetivo de aumentar a conscientização sobre a igualdade para lésbicas, gays, bissexuais, trans, queer e indivíduos intersexuais. O dia originalmente foi criado para comemorar a retirada do termo homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças. Apesar do progresso contínuo em direção à igualdade e equidade, indivíduos de minorias sexuais e de gênero ainda estão são alvo de transtornos de saúde mental, especialmente durante a fase crítica da adolescência, quando exploram e formam suas identidades distintas. Adolescentes de minorias sexuais e de gênero têm três vezes mais probabilidade de desenvolverem depressão capaz de culminar em suicídio do que adolescentes heterossexuais e cisgêneros.

Nesse sentido, nós médicos estamos em uma posição privilegiada para monitorar essas alterações da saúde mental, apoiando e defendendo os adolescentes de minorias sexuais e de gênero. De fato, tais adolescentes enfrentam diversas barreiras para receberem cuidados de saúde e podem sofrer discriminação por parte dos profissionais de saúde. Por exemplo, os médicos frequentemente ignoraram questões urgentes relacionadas à orientação sexual ou identidade de gênero, recusam fornecer tratamento ou presumem que o paciente é heterossexual ou cisgênero. Não é novidade que muitos adolescentes de minorias sexuais e de gênero evitam procurar atendimento médico e, quando procuram, não se sentem seguros para revelar sua orientação sexual ou identidade de gênero, o que pode ter efeitos prejudiciais à saúde.

adolescentes
Arte: Michelle MKO

O que nós médicos podemos fazer para tornar nossa prática mais inclusiva? Quatro aspectos devem ser ressaltados. Em primeiro lugar, deve haver maior compreensão da identidade e da consciência dos transtornos de saúde mental entre adolescentes de minorias sexuais e de gênero. Por exemplo, todos os programas médicos deveriam incluir cursos sobre diversidade sexual e de gênero. Considerando que esses jovens são diversos em termos de identidades e experiências, o treinamento dos médicos deveria abordar a natureza dinâmica do processo. Nesse sentido, o uso de rótulos e o significado da identidade sexual está em constante mudança. Além disso, estudos mostram que os jovens que possuem identidades bissexuais em oposição a monossexuais (gays, lésbicas, heterossexuais) estão em maior risco de uso de substâncias e suicídio. Adolescentes transmasculinos e os não binários têm apresentado as maiores taxas de tentativa de suicídio, em comparação com outros adolescentes de gênero minoritário e cisgêneros. Outro fator que impacta no cuidado à saúde diz respeito às questões raciais e étnicas. O racismo certamente restringe o acesso aos cuidados de saúde a adolescentes negros de minorias sexuais e de gênero.

Um segundo aspecto importante é que o treinamento é necessário para desenvolver as habilidades de comunicação dos médicos junto aos pacientes adolescentes de minorias sexuais e de gênero. Nós médicos devemos estar cientes das experiências difíceis que esses jovens podem ter em diversos ambientes, por exemplo, em casa ou na escola. É importante que nos baseemos nesses aspectos para fazer aos jovens perguntas abertas e de gênero neutro sobre suas experiências, relacionamentos, amigos, comunidades e identidades. Dessa forma, torne-se possível uma conversa aberta para abordar as experiências difíceis de um paciente com saúde mental abalada, vítima de bullying ou de abuso.

saúde mental
Arte: Michelle MKO

O terceiro ponto se refere ao fato de que a assistência à saúde deva ser afirmativa. Tal assistência deve reconhecer e abordar as identidades e necessidades únicas dos adolescentes. Essa abordagem inclui conversas sobre saúde mental, violência no namoro, sexo seguro e acesso a métodos anticoncepcionais e testes de infecções sexualmente transmissíveis. Para adolescentes transgêneros e não binários, o cuidado afirmativo requer acesso aos bloqueadores da puberdade, hormônios e, algumas vezes, tratamentos cirúrgicos. Para muitos adolescentes, o acesso a esses serviços é limitado e as listas de espera são longas. O desenvolvimento da puberdade para adolescentes transgêneros e não binários pode ser tão doloroso que pensamentos e comportamentos suicidas são uma consequência frequente. O acesso aos bloqueadores da puberdade no início da adolescência é, portanto, crucial, e os bloqueadores da puberdade têm se mostrado eficazes na melhoria da saúde mental, incluindo redução dos sintomas depressivos e suicídio, e melhorando o funcionamento afetivo e psicológico. Ressalta-se ainda que a legislação dos países não aborda de forma clara as questões de mudança de gênero, principalmente em relação aos adolescentes. A legislação ainda vigente nos Estados Unidos e no Reino Unido tenta limitar drasticamente o acesso aos cuidados afirmativos de gênero para adolescentes transgêneros e não binários e criminaliza os médicos por fornecerem tais cuidados. No Brasil, foi apresentado o Projeto de Lei n. 5002/2013 que: “Dispõe sobre o direito à identidade de gênero e altera o artigo 58 da Lei 6.015 de 1973”. Nesse projeto, está previsto que o Sistema Único de Saúde (SUS) e os planos de saúde tenham de custear tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial. No entanto, o projeto encontra-se atualmente arquivado nos termos do Artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

O quarto aspecto diz respeito à garantia de privacidade e confidencialidade para fornecer cuidados de forma inclusiva e afirmativa. Muitos adolescentes de minorias sexuais e de gênero têm experiências muito desastrosas quando são expostos (tendo sua identidade sexual ou de gênero revelada) na escola ou para suas famílias. Esses jovens são muito mais propensos a sofrerem bullying ou abuso por parte de colegas de escola e de seus familiares. As conversas sobre orientação sexual e identidade de gênero devem idealmente ocorrer sem a presença dos pais ou responsáveis no consultório. Quando o adolescente se sente confortável ​​em compartilhar sua orientação sexual ou identidade de gênero com um médico, o consultório pode-se tornar um espaço seguro para perguntar sobre diversas questões que trazem dúvidas e angústias.

Concluindo, nós médicos devemos tornar nossos cuidados mais inclusivos, afirmativos e eficazes para adolescentes de minorias sexuais e de gênero. Em uma época em que a legislação ainda é omissa a essas questões, podemos e devemos desempenhar um papel central na proteção à saúde e ao bem-estar desse adolescentes.

Ana Cristina Simões e Silva

Ana Cristina Simões e Silva

Professora Titular do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do CNPq.

Foto

+Gama

Você pode colaborar com a redação do Portal Gama sendo um autor convidado +Gama. Entre em contato pelo e-mail pauta@portalgama.com.br, nos informe sobre o tema que pretende trabalhar e um dos nossos jornalistas entrará em contato para dar sequência ao processo. Obrigado por ser mais uma voz em nossa gama de pensamentos.

COMENTÁRIOS

OUTROS POSTS DO MESMO AUTOR

COLUNISTAS