Cultura
milton nascimento Foto: Arquivo pessoal

Uma noite para ser lembrada

A Última Sessão de Música, de Milton Nascimento, um show que saiu da estação nos convidando a relembrar amizades, amores e a vida. Uma história com início, meio e que nunca terá fim.

Por João Paulo Campos

Por +Gama

Alguns avisos aos desavisados e para aqueles que não me conhecem: não entendo bulhufas da parte técnica das músicas, de arranjos, notas, etc. Poderia arriscar a falar sobre a iluminação, cenário e, até mesmo, sobre as letras, carreira, discos, prêmios… só falaria mais do mesmo. Então, vou tocar em outro ponto, que é pessoal e, por mais reservado que eu busque ser, vou tentar me ater, meio que sem jeito, na emoção que senti durante a última sessão musical ao vivo de Milton Nascimento.

Quando a turnê foi anunciada, já fiquei um tanto sem rumo, mesmo já tendo visto, lido, ouvido, assistido e conversado muito sobre o Milton, não estava preparado para tal notícia. Então, foi nesse momento que comecei a reviver, tentando descobrir como a sua obra passou a fazer parte da minha vida. Acredito que seja através das músicas que não foram compostas por ele, como Peixinhos do Mar, além de Cio da Terra e Cálix Bento, entoadas repetidas vezes nas novenas de Natal que fazíamos com os nossos vizinhos. 

Meu pai foi um homem simples e extremamente sentimental. Nunca escondeu isso de ninguém. Ele sempre dizia que a maior herança que poderia deixar a minha irmã e a mim era educação e honestidade, e que não há nada mais valioso do que as nossas amizades. O seu Vicente, foi um homem alegre, sábio e de alma jovem que, mesmo na ausência, vai morar para sempre no meu coração. Milton Nascimento não era nem de longe seu cantor preferido, esse título era de Roberto Carlos, mas eu não consigo desvencilhar o meu pensamento dele ao ouvir a mensagem incrustada em Coração de Estudante. É um alento a saudade, um calor dentro do peito e mais umidade a mais para os olhos já em tempestade, essa música expressa muito do que ele me ensinou.

Uma canção em especial me faz voltar a dois passados. Um faz com que eu reviva a minha memória e a um outro passado não me pertence, mas que é parte da história que me constituiu. Começando pelos fatos que compuseram minha história: lembro de meu velho contando as suas travessuras com bolas feitas de meias retalhos e até de bexiga de porco, foram inúmeras vezes em que ele jogava as bolas de gude para o meio sala com a simples intenção de vigiar a irmã e o namorado. 

Já no meu presente, há outro passado, com Bola de Meia, Bola de Gude fazendo parte de formaturas, festas escolares e rodas de conversa. Um detalhe que descobri no dia do último show, é que para alguns Bola de Meia, Bola de Gude pode até ter sido traumática, por alguns que tiveram que apresentá-la em público. 

O show segue, o pensamento viaja e, mesmo no meio de uma multidão, parecia que estava sozinho. Quem nunca se sentiu solitário? Quem nunca caçou por respostas sobre a vida, sonhos, paixões, lutas e sobre si mesmo. Nesse voo utópico e real inventei-me, na lua clara, um cais e me fiz Jornalista. Eu queria ser feliz com meu trabalho e já embalado nesse sonho e em busca de um porto, resolvi iniciar meu trilho falando sobre minha cidade, Belo Horizonte, sob a ótica de meus ídolos. Então, para iniciar, tomei um belíssimo bolo de um compositor, mas não guardo mágoa e não desanimei, após esse furo eu pude fazer a minha primeira e a mais bonita entrevista da minha vida com ninguém menos que o mestre Fernando Brant. Foi um misto de nervosismo, medo, ansiedade, encantamento que acabei esquecendo de ligar o gravador, mas a conversa está gravada nos discos que tocam nas minhas lembranças. 

milton nascimento
Foto: Arquivo pessoal

Ainda no universo embaralhado das letras, mas agora registrando tudo, pude contar histórias vivas. Caçando “mins” pelas estradas, encontrando as dores da vida e com coragem, me tornei um saveiro pronto para descobrir novos mares. Foi em uma dessas partidas, que em troca de pão fiz, com minhas mãos, acontecer o milagre de transformar o trigo em pão.

Nessa fase de superação e luta, descobri uma força grandiosa, que hoje está ao lado esquerdo do meu peito, guardada a sete chaves. Não que eu tenha sido um solitário, pelo contrário, sempre estive cercado de pessoas maravilhosas, mas foi nas maiores dores que o poder chamado amizade se apresentou com amor, fé e magia.

Falando em amor, fé e na mistura de dor e alegria, vem a música Maria, Maria. Lembro de Maria nossa Mãe e da minha Maria. A Maria, mãe de Jesus e nossa, e a minha Maria, conhecida nas Congonhas (MG), como ela dizia, como D. Zinha. Essa tinha uma incrível mania de ter fé na vida. Era amor, atenção e o cuidado que só uma avó consegue ter. Sonho em ter notícias do mundo de lá.

Agora pense comigo, se o Milton Nascimento não conseguiu descrever o amor dele por Lilia, imagine eu, um pobre mortal conseguir descrever toda a importância e amor que tenho por Eliane. Realmente, ainda não inventaram uma palavra mais bonita que mãe. 

Milton cantou todas as formas de amar e tem uma que não me deixa temer, nem viver na solidão, Ana Paula, minha irmã de fé, alma e sangue, e de amigos que se tornaram irmãos, com eles eu não pergunto “pra onde vai a estrada”, apenas sigo. 

“Toda forma de amor vale a pena, toda forma de amor vale amar”, versos lindamente cantados por um mundo diverso. Agora, tem uma canção que segue essa toada mas que não fez parte do repertório do show derradeiro e é muito especial, Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor. Até entendo ela não fazer parte do setlist, ela serve apenas para dois, para nós dois, Tricia e eu. É a trilha que faz o nosso sonho acontecer e meu coração bater mais forte.

milton nascimento
Foto: Arquivo pessoal

A música de Milton me ensinou a viver mais de uma vez. A primeira quando me entendi por gente, quando adolescente, nos amores, desilusões, vitórias. Embalaram e embriagaram noites. Não sei quantas vezes sentamos para conversar, ouvindo Milton Nascimento e seu Clube. Eles foram, são e sempre serão a nossa a nossa trilha, seja para renascer, rejuvenescer ou reinventarmos. 

Não conheço Milton pessoalmente, tenho esse sonho. O que é fato, é a convicção que ele me conhece melhor que eu mesmo. Deixando esse ego de lado, Milton conhece a alma humana como ninguém. Elis Regina disse um dia, que “se Deus cantasse, cantaria com a voz de Milton”. Acredito que Deus usa é a voz de Milton para nos ensinar sobre amor, paz, respeito, democracia, cumplicidade, pluralidade e empatia.

É um artista com tanta luz, que divide seu brilho com Lô, Beto, Wagner, Toninho, Liniker, Xenia, Criolo, Ibarra e tantos mais que até me perco. Além da humildade e a gratidão demonstrada a equipe, amigos, Gal, Elis, Mercedes, Fernando…

Essa foi uma noite inesquecível e olha que sou privilegiado por ter assistido a seus shows na Tv, teatro, estádio, praça pública. Esse foi diferente, Milton despediu dos palcos com a generosidade que só os bons têm e nos brindou com uma noite inesquecível. Assim como fez com Lilia, a música tema da turnê, A Última Sessão de Música, é apenas ser sentida, lembrada e reverenciada. 

milton nascimento
Foto: Arquivo pessoal

Poderia escrever mais, falar sobre cada disco, música, entrevista e de todas histórias que ousei apoderar, mas sinto que esse trem já chegou na estação da gratidão. 

Obrigado, Milton Nascimento, por todas as memórias, as vividas e as que virão. Você é poeta, músico, gênio, mas no fundo a melhor e mais exclusiva definição é apenas: Bituca, um apelido de seis letras que comportam um universo. 

Obrigado e vida-longa!

João Paulo Campos

João Paulo Campos

Aquele que põe a mão na massa! Jornalista de formação, padeiro por paixão. Formado pela PUC-Minas em 2004, atuei em agências de comunicação e assessorias de imprensa de instituições públicas e organizações não governamentais. Sou especialista em Marketing e Comunicação e Gestão de Projetos. Nos intervalos, fazer pães é minha arte.

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