Crônicas

Sobre o Boomer

Precisamos falar mais sobre o boomer e seu espaço na internet

Por Filipe Esdras

Por +Gama

O termo boomer se popularizou no Twitter nos últimos anos ao fazer referência ao expoente da geracional dos nascidos pós término da Segunda Guerra, até pouco depois da construção do muro de Berlim. É uma diminuição, às vezes, pejorativa, do que se conhece por baby boomers. No Brasil, muitas vezes, conhecido como “o tio do pavê”.

O termo foi cunhado para a Europa e os Estados Unidos e ficou conectado a uma geração, que quando já jovem, passou por significativas transformações por lá, como o movimento hippie, a guerra do Vietnã, a Guerra Fria e o mundo polarizado entre capitalismo e o socialismo das ex Repúblicas Socialistas Soviéticas e, no caso da geração nascida no norte global, um aumento do estado do bem-estar social e um processo de industrialização sem precedentes.

No Brasil, nesse mesmo período, o contexto era diferente: passávamos por uma ditadura. E, apesar das tendências norte americanas de liberdade e aumento dos direitos civis para camadas anteriormente segregadas, não tínhamos o mesmo resultado a nível institucional. A disputa política por aqui era por democracia, com engajamento de alguns setores e movimentos sociais.

Régua passada, o boomer, como bom representante de sua época, estava preocupado com o trabalho estável e a construção de um modelo familiar que lhe era peculiar e pouco discutido, a estabilidade econômica. Era nas grandes obras estatais e no nascimento das grandes empreendedoras e empresas públicas que o boomer focava seu futuro e sua vida. 

Obviamente o boomer não cresceu com a tecnologia tal qual conhecemos hoje e já era velho quando os millenials passaram a ser a primeira geração a desenvolver seu estilo de vida e até laços afetivos na internet. Os millenials se entenderam na juventude como parte da tecnologia e nem precisamos falar da geração Y, que agora é jovem: só conhece o mundo pela tecnologia, são a androgenia robótica do click, os Y são a internet.

E por que falar dos boomers? Talvez o boomer ainda não tenha se situado com as novas formas de viver e nem as dinâmicas que a internet proporcionou aos millenials e Y. Enquanto para estes a internet é mais que uma ferramenta, é espaço público e privado para existir, os boomers não conseguem abstrair essa ideia e ainda tratam esse lugar (quase Matrix) como apenas um dispositivo a ser desligado, dividindo o que é real da tecnologia.

E talvez esse seja o maior fosso geracional: a internet é, para as últimas gerações, mais do que um dispositivo: é espaço público e privado. É nesse espaço e com o compartilhamento de informações (que serão mal usadas pelas grandes corporações tecnológicas e militares hoje), que nós existimos e estabelecemos nossas dinâmicas. As relações, o reconhecimento público do que somos e o alcance das nossas escolhas são diferentes. E o tio do pavê precisa fazer um esforço cognitivo para entender isso.

E é contra essa tentativa de interpretar nosso mundo com base no anterior que poucos são os boomers amados pelas novas gerações que, quer ver a si mesma representada e escolhe para quem vai o biscoito. Recentemente, até a mais descolada dos BOOMERS, Madonna (sim, chegamos na geração que desconhece ou pouco sabe só ícone pop), não se conteve EM passar vergonha e compartilhou uma notícia tão fake que virou objeto de riso e questionamento sobre sua capacidade de viver a internet. Ela ainda estava enxergando a luta por direitos civis como conheceu em parte da sua adolescência.

Ok, boomer, pode usar cloroquina, era como alguns millenials responderam à icônica do pop (talvez os Y tenham ficado se questionando quem era Madonna mesmo). Aqui fica uma demonstração da dificuldade dos boomers, muitas vezes não conseguirem distinguir entre o real e o fake nessa nova escala criada pela internet e sejam os maiores alvos de golpes e notícias falsas.

O boomer viu o muro de Berlim cair e, talvez, ainda esteja impressionado por isso e a conspiração de notícias escolhidas a dedo pela TV. Então caiu na rede, é peixe! E Já estamos colhendo o resultado da dificuldade dos boomer em não só viverem a internet como entenderem as dinâmicas sociais que ela produz. Ainda defensores de um sistema único e imutável porque tem leite em caixinha, uma informação única produzida pela TV, e a polarização com comunistas, para o boomer proteção do emprego e de um capitalismo imutável significado por crescimento econômico é a única possibilidade de existência das suas “escolhas”.

Seguimos insistindo para que os boomers façam maiores esforços cognitivos e nos entendam. E, a não ser que vivamos um Mad Max a partir daqui, a internet também será o que somos, como modificamos o mundo e como nossas relações são formadas e nos agrupamos. Qualquer conclusão rasa sobre o que somos ou piada mal feita parecida com TV Pirata vai somente ajudar a isolar o tio do pavê nos vídeos de bait sobre Illuminati ou nas bibliotecas ainda não atualizadas sobre quem realmente nos tornamos.

Filipe Sou o Filipe Esdras. Advogado e mestrando em Ciências Políticas. Já fui técnico, negação de artista e tentei ensinar línguas. Atualmente, tenho estado especialista em potencial de Teoria Queer. As palavras não são meu dever como as formações levam a crer, verbo é tudo que tenho – é uma questão egocêntrica. Cinéfilo convicto, cozinheiro nas horas vagas e com uma dificuldade gigantesca de aceitar deixar o mundo como me foi entregue. Política é a saída, sempre. Fui condicionado a pensar o mundo   coletivamente. Ser indivíduo é demais pra mim mesmo. Inverti a ordem e entendi que é assim que as coisas funcionam: mudando o mundo, a gente muda a gente. Afinal, existimos sem a forma como vemos o mundo?
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