Política
esperança Foto: Reprodução

O Brasil veste esperança

Lula: o Brasil toma posse e se veste de esperança – A ausência de Bolsonaro foi um grande presente para a nossa História, mas, como clamou a multidão presente na posse, sem anistia para os crimes cometidos por ele e pelos seus. No parlatório, Lula falou à multidão e se emocionou em mais de um momento, sendo que a fome ainda segue sendo uma chaga sem cura e de grande sensibilidade para ele e para todos nós que ainda trazemos algum traço de humanidade.

Por Michelle MKO

Há muitos anos sou uma profunda admiradora de Lula e sua eleitora entusiasta. A primeira vez que votei nele foi aos 18 anos, em 1998. Estava estreando meu título eleitoral e votei com esperança. Fernando Henrique Cardoso venceu e, apesar de jovem, reconheci que este era o processo democrático e não questionei a vitória do adversário. Em 2002 eu já era mãe – minha filha nasceu em janeiro do ano anterior – e, novamente, votei em Lula com a esperança de construir um Brasil mais justo e mais acolhedor. Desta vez, pude comemorar a vitória de Lula e, emocionada, o vi subindo a rampa. Em 2006, comemorei sua reeleição. Em 2010, chorei de emoção ao votar em Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o país. Em 2014, comemorei a reeleição de Dilma, ainda que tenha ficado tensa com a contagem dos votos e a pretensa comemoração antecipada de Aécio Neves. No ano anterior, 2013, cheguei a participar de uma manifestação política, mas consegui, a tempo, perceber as reais motivações e não fiz mais coro aos levantes do chamado gigante recém despertado. O clima era de tensão.

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Arte: MKO Artes

Em 2016, fui às ruas, conversei com pessoas e gritei muito “Não vai ter Golpe”. Mas teve a farsa do impeachment e Dilma, uma presidenta eleita democraticamente foi retirada do poder. Chorei muito. Lágrimas da injustiça. E não por birra ou contestação da democracia, mas por perceber que ali começava a se ruir o tecido do processo democrático e a se construir um cruel e funesto golpe que levaria consigo muitos dos nossos direitos adquiridos ao longo de anos de luta. Temer, o usurpador, assumiu o poder e mais vezes fui às ruas gritando “Fora Temer!”. Mas ele ficou. Concluiu o mandato usurpado e outros arranjos do Golpe foram se assomando até a prisão de Lula em abril de 2018. Mesmo sem formação em Direito, era claro para mim que Lula estava sendo submetido a uma perseguição política que se travestia de processo jurídico e criminal para tirá-lo da eleição daquele ano. E sim, chorei quando Lula se entregou, mas entendi a altivez dele e vi pouco a pouco as farsas contra Dilma e Lula serem desmontadas.

Fui para às ruas e gritei “Ele não!” e, para minha infelicidade e do Brasil também, “ele sim”. Quando Bolsonaro venceu Haddad em 2018, eu chorei muito novamente, mas respeitei o processo eleitoral e me muni de forças para lutar pela vitória de Lula na justiça e na eleição seguinte. Assim eu fiz. Combati o bom combate, desejando no fundo que o candidato eleito em 2018 me surpreendesse e fizesse um bom mandato e me provasse o contrário do que eu estava pensando e esperando. Mas não. Bolsonaro arrastou o Brasil para a lama nestes quatro anos de mandato. Escarneceu das misérias e dos lutos vividos pelos brasileiros na pandemia. Deu legitimidade para preconceitos antes velados. Incentivou o uso e a compra de armas. Desqualificou a ciência e a educação. Foi no mínimo irresponsável à frente da pandemia, para não dizer genocida. Aumentou a fome e a pobreza. Ridicularizou vulnerabilidades. Foi misógino. Homofóbico. Elegebetefóbico. Desumano. Cruel. Vil. Covarde. Truculento. Corrupto. Leviano. Criminoso. Antidemocrático. Antirrepublicano. Enumerar os predicados dele me causa enjoo. Mas, felizmente, e contra toda a máquina pública utilizada por Bolsonaro para se eleger e desqualificar o processo eleitoral e seu adversário, Lula, saiu vitorioso. Mesmo com tantos crimes cometidos por Bolsonaro e seus seguidores, com mortes e ataques violentos a petistas. Mesmo com um gabinete de ódio criando mentiras e fake news. Lula venceu. A margem de votos foi pequena, mas a vitória foi gigante.

E qual foi a reação de Bolsonaro e de seus seguidores mais extremistas? Não aceitar a derrota. Silêncio criminoso de um lado, atos criminosos de outro e, assim, vimos mais cenas deste espetáculo grotesco e infame de negação da democracia e do processo eleitoral. O sabor da vitória ainda descia lento e apreensivo pela minha garganta com cada ato criminoso de bolsonaristas extremistas. Bolsonaro fugiu do Brasil. Como um rato. Mas usando recursos públicos para bancar a fuga. Foi para os Estados Unidos, país para quem ele bateu continência para a bandeira. Aquele que se dizia patriota e que se valeu de um slogan usado por nazistas “Deus, Pátria e Família”, fugiu do país e deixou inclusive seus seguidores plantados sob chuva e sob sol na porta dos quartéis desde as eleições em outubro.

Covarde! Uma banana para a democracia e o regime republicano! Ainda assim eu estava tensa. Muitas ameaças de morte e de ataques à Lula foram feitas pelos bolsonaristas radicais. Mas, Lula teimou. Desfilou em carro aberto. Eu assistia as imagens com lágrimas nos olhos e coração apertado. Discursou e eu chorei. Assinou com a caneta presenteada em 1989 no Piauí em uma manifestação a caminho da Igreja de São Benedito, o santo negro e que auxilia os famintos. Mais um passeio no carro aberto e ainda o medo aqui dentro de mim. Estava chegando o momento de subir a rampa e receber a faixa presidencial. Na nossa história, apenas os militares Floriano Peixoto e Figueiredo não tinham passado a faixa presidencial. Bolsonaro se somou a eles e, para piorar, foi o primeiro presidente a terminar o mandato fora do país, já que fugiu dia 30. O vice, General Mourão, fez um pronunciamento no dia 31 criticando veladamente Bolsonaro e atacando “sutilmente” as instituições democráticas e também não se ocupou de passar a faixa. Havia uma tensão e uma dúvida no ar. Muitos sugeriam que Dilma passasse a faixa, eu mesma desejei isso.

Mas, para nossa surpresa, Lula subiu a rampa com um coletivo de pessoas que representam a diversidade do nosso Brasil: um professor de Língua Portuguesa, uma mulher negra e catadora de materiais recicláveis, um estudante negro de 10 anos, uma cozinheira, um artesão, um metalúrgico, um cacique indígena, um influenciador digital na luta anticapacitista e uma cachorrinha vira-lata abandonada e adotada por Lula e Janja. São homens e mulheres que representam a riqueza e a diversidade cultural do país. Chorei muito. Quando eles chegaram no topo e a faixa foi passando de mão em mão até ser colocada nos ombros de Lula por Aline, uma mulher negra de 33 anos, catadora de recicláveis, eu desabei. A beleza deste gesto e a simbologia ainda me emocionam. Sim, o Brasil precisa ser reciclado, a presidência precisa ser reciclada e precisa voltar seu olhar para cada um destes setores e estratos sociais. Murilo, 28 anos, um professor de Língua Portuguesa. Não é de outra disciplina. É da nossa língua materna, quer beleza maior do que isso?

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Arte: MKO Artes

Raoni, 90 anos, um cacique indígena Kayapó, um representante de um povo maltratado pela nossa história e este, especificamente, foi duramente criticado por Bolsonaro. Francisco, um estudante e atleta negro de 10 anos, representando a esperança de uma educação inclusiva e transformadora. Wesley, 36 anos, formado com o auxílio do FIES em Educação Física, um metalúrgico do ABC paulista para simbolizar a necessidade de investimentos na Educação, no trabalho, na industrialização e na luta sindical. Jucimara, cozinheira voluntária do acampamento Lula Livre e da Associação dos Funcionários da Universidade Estadual do Maringá, remontando à necessidade de se combater a fome e a escassez alimentar a qual tantos brasileiros se submeteram nos últimos anos. Ivan, LGBTQIA+, portador de paralisia cerebral e ativista anticapacitista, representando a necessidade de luta contra qualquer tipo de preconceito ou limitação. Flávio, 50 anos, artesão, sugerindo a necessidade de se valorizar a arte e a rica cultura brasileira, bem como seus artesãos. Por fim, Resistência, uma cadela vira-lata de rua, adotada pela vigília Lula Livre e depois por Janja e Lula.

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Arte: MKO Artes

O simbolismo disso… brasileiro sempre teve complexo de vira-lata e costuma valorizar mais a cultura de fora, mas quem subiu a rampa foi uma cadela sem raça definida, uma que pode simbolizar todos os cães – e por que não, pessoas?- para além de raça. Ainda me arrepio de pensar nisso. A ausência de Bolsonaro foi um grande presente para a nossa História, mas, como clamou a multidão presente na posse, sem anistia para os crimes cometidos por ele e pelos seus. No parlatório, Lula falou à multidão e se emocionou em mais de um momento, sendo que a fome ainda segue sendo uma chaga sem cura e de grande sensibilidade para ele e para todos nós que ainda trazemos algum traço de humanidade. Que diferença! Um imitava pessoas morrendo sem oxigênio, dizia não ser coveiro, corria atrás de uma ema com uma caixa de cloroquina e outro arrebata multidões com o chamado ao combate à fome de toda natureza.

Sim. Estamos famintos de mais do que comida. Estamos famintos de justiça, de cultura, de alegria, de trabalho e dignidade. E os discursos de Lula nos alimentam de esperança. Mais do que discursos, suas atitudes e escolhas políticas também nos levam a patamares de boas expectativas. A escolha de seu Ministério foi outra grande alegria. Onze mulheres, paridade ainda não alcançada, mas mais representada do que qualquer outro governo. Nomes e formações compatíveis com os cargos assumidos. Hoje, ouvindo Sílvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos dizendo o óbvio sobre a importância de cada um para nosso tecido social, me emocionei novamente. Ver Nísia Trindade, ex-presidente da Fiocruz, assumindo a pasta da Saúde depois de uma luta aguerrida a favor da vida na pandemia é um alívio. Ver Anielle Franco assumindo o Ministério de Igualdade Racial é um alento. Ver a criação de um Ministério dos Povos Indígenas e Originários com a competente Sônia Guajajara nos insufla esperança. Marina Silva assumindo o Meio Ambiente depois de tanta boiada passada é igualmente uma alegria. E assim, sigo na luta diuturna por um Brasil melhor, mais justo e mais acolhedor. Feliz pelas minhas escolhas políticas e pelas de Lula também.

Feliz pela vitória da democracia. 2023 começando e já me sinto renovada e esperançosa pelo nosso futuro! Bom governo, presidente Lula! E, como você bem disse na posse, “Ditadura Nunca Mais e Democracia Sempre”!

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Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

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