Crônicas
emoções Arte: Michelle MKO

Lutos e lutas

Meus singulares processos plurais: No afã de tentar cumprir demandas e protocolos externos, já me violei bastante e as emoções e traumas estão todos aqui.

Por Michelle MKO

Na vida é comum a gente se cobrar para ser forte e dar conta de tudo. Mas, eu tenho aprendido ao longo de um longo trabalho terapêutico, a acolher minhas emoções e meus sentimentos sem me sentir culpada por percebê-los em mim. 

A culpa é uma vilã que trago desde sempre em minha alma de menina e mulher em uma sociedade dura com o feminino. Sou muito sensível e, tal como meu signo, peixes, sou fluída e com mergulhos em profundidades muito particulares. Meu tempo parece não correr na mesma velocidade do tempo do mundo ou do outro. No afã de tentar cumprir demandas e protocolos externos, já me violei bastante e os traumas estão todos aqui. Meu arquivo-morto de dores não está tão morto assim… e todos os dias chegam caixas e mais caixas de angústias e de sensibilidades. Eu preciso respirar fundo, receber as novas caixas, acolher seus conteúdos, tentar organizar o espaço com alguma lógica e continuar trabalhando interna e externamente com o que o mundo traz de desafios. 

Arte: Michelle MKO

Neste contexto singular do luto pela partida da minha mãe, tenho mediado conflitos entre os conteúdos dos arquivos da lógica e da razão e os das crenças e das sensações. É um desafio importante e legítimo. Preciso acolher o que me trazem, escutar e enxergar o que vem à tona e, no meu ritmo, com os recursos que tenho, tentar pacificar as dores sem banalizá-las ou deslegitimá-las. E estando atenta às que querem parecer ser o que não são para merecerem uma atenção maior que as demais. Cada dorzinha que vem eu preciso fazer este processo e, concomitantemente, tentar ressignificá-la a partir de um acolhimento transformacional. Em alguns casos tenho alcançado êxito na ressignificação, mas, em outros, o momento ainda não chegou e preciso cultivar a paciência e o bom senso de aguardar o momento certo sem, contudo, deixar as dores se perderem no esquecimento ou na ignorância. E este trabalho é diário, diuturno, em paralelo com o cumprimento das demandas do mundo externo. 

emoções
Arte: Michelle MKO

Sigo nesta caminhada, nesta jornada. Acolhendo a mim por inteiro. Abraçando minhas emoções e tentando me organizar. Gerenciando meus espaços internos e externos. Movendo caixas e emoções. (Re)visitando memórias e (des)afetos. (Re)vivendo e traçando possíveis outros horizontes e perspectivas para novos caminhares. E sigo. Com dor. Mas sigo. Com amor. Pelos meus singulares processos plurais de luto e de luta.

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Michelle MKO

44 anos, mulher, professora, artista, chargista, projeto de escritora, pisciana , portanto sonhadora e chorona, lésbica e mãe, adoradora de gatos e detestadora de injustiças sociais.

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