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linguagem e respeito

Linguagem e respeito

Uma crônica sobre linguagem e respeito: Presidenta, linguagem neutra, linguagem inclusiva e o que isso tem a ver com os padrões sociais?

Por Ruleandson do Carmo

Por +Gama

Por que as pessoas usaram o substantivo neutro “presidente” em vez de o substantivo feminino “presidenta” para se referir a mulheres, mas, ao se referirem a pessoas não-binárias, se opõem a termos neutros?

As pessoas da comunidade LGBT+ – todas aquelas pessoas não heterossexuais e/ou não cisgênero (pessoas que não se identificam com o gênero biológico e/ou com a divisão binária entre masculino e feminino) – são pessoas fora do padrão social: o padrão cisheteronormativo, ou seja, padrão sociocultural que só reconhece e valida pessoas cisgênero e heterossexuais). Para nos expressarmos, usamos a língua, uma criação cultural adotada por determina comunidade e que tem, inclusive – vejam só –, um padrão: a língua-padrão ou norma-padrão.

Não é de se estranhar que a língua, enquanto um padrão social, não seja inclusiva para a comunidade LGBT+ e outras minorias sociais, como as mulheres. Aquela velha questão: se há 49 mulheres em uma sala e um homem, segundo a norma-padrão, ao falar do coletivo formado por essas 50 pessoas, você deve usar o masculino, ainda que só haja um homem ali. É patético, né?

Não preciso nem falar acerca da importância da língua para a vida e convivência social. Então, ser uma pessoa menosprezada pela língua (como mulheres, no exemplo acima – e em tantos outros – são) é mais uma forma de exclusão e opressão social. Se você não se reconhece como gênero masculino ou como feminino e as pessoas te chamam pelo gênero com o qual você não se identifica está estabelecida mais uma forma intensa e diária de violência simbólica contra você.

Nas redes sociais, pessoas cisgênero (olha, por que será?) costumam postar vários textos sendo contrárias às propostas de linguagem neutra e ridicularizando termos como “todes”. Elas dizem que os neologismos da proposta de linguagem neutra não seriam nunca adotados pela maioria das pessoas e não se encaixam à, veja só, norma-padrão (quem diria que um padrão excluiria pessoas fora do padrão? Tô chocade!).

A linguagem inclusiva é a proposta mais contemporânea

Mas, essas pessoas pararam no tempo: precisam se atualizar. Tudo bem que pararam em um tempo não tão longínquo, mas, pararam. Os neologismos que buscam substituir o “a” e o “o”, que demarcam gênero feminino e masculino, respectivamente, ao final de palavras, por “e”, “@”, “x”, “u”, dentre outras opções, foram revistos pela comunidade LGBT+. Não que a comunidade vá os abolir, mas foi constatado que a adoção geral de tais neologismos trazia problemas, não só à norma-padrão (e aí a concursos, provas etc.), mas excluía pessoas neurodiversas e deficientes visuais (os softwares de leitura não liam as palavras), além de criar palavras possíveis de serem escritas, mas, por vezes, impossíveis de serem faladas (como se pronuncia “tod@s”?).  Entretanto, os neologismos da linguagem neutra acabaram se tornando mais uma linguagem tribal, uma linguagem de um grupo específico, uma espécie de dialeto.

Assim, a proposta mais contemporânea para o uso universal é a da linguagem inclusiva: o uso de termos formalmente existentes e registrados na Academia Brasileira de Letras, para evitar o uso predominante de expressões no masculino e de expressões que demarquem gêneros, usando palavras formalmente existentes e, de acordo com a norma-padrão, neutras (se adequam a mais de um gênero).

É o caso de preferir dizer “pessoas” em vez de “sujeitos”, dizer “bom dia a todas as pessoas” em vez de “bom dia a todos” ou “bom dia a todes”, dizer “as pessoas estagiárias” em vez de “os estagiários”. Afinal, pessoa é pessoa, unidade da raça humana e pode ser pessoa de qualquer gênero e não-binária. Assim, é recomendado dizer “pedido de estudantes” em vez de “pedido dos alunos”, usar “gente” em vez de “povo”, entre várias outras estratégias da linguagem inclusiva.

 O caso “presidenta” Dilma é prova de que para manter o status quo as pessoas usam linguagem neutra, sim!

Quando muitas pessoas cisgênero (e também, em geral, heterossexuais) são contrárias à linguagem neutra, argumentando dificuldades de adesão social e barreiras da norma-padrão, elas precisam se atualizar e entender que a língua possui opções corretas, para se evitar o machismo e a misoginia e, assim, não manter a cisheteronormatividade. Quer ver como a questão não é a norma-padrão, a gramática, a linguística etc., mas a incapacidade de se mobilizar pela mudança no status quo e invisibilizar as minorias (mesmo que não intencionalmente)?

O caso “presidenta” Dilma é prova disso! Para demarcar socialmente a vitória do movimento feminista e dos direitos humanos de o Brasil ter a primeira mulher no cargo da presidência, a presidenta Dilma exigiu que, nos documentos oficiais, ela fosse chamada de presidenta, substantivo feminino, e não pelo substantivo neutro presidente. Além disso, pediu para que as pessoas, em geral, se referissem a ela assim.

O que a maioria fez? Desmereceu o valor simbólico do pedido, se enveredou por provar por A mais B que a chamar de presidente, em vez de presidenta, não estava errado, e optou pelo uso do substantivo neutro, para se referir a uma mulher, mesmo havendo o substantivo feminino. Era demais reconhecer que uma mulher ocupava o cargo máximo do país, era demais demarcar isso pela linguagem e, aí, as pessoas usavam, pasmem, um termo neutro para se referir ao cargo da presidenta.

Então, aos que falam que a linguagem neutra não teria adesão social, por que a maioria no país conseguiu usar um substantivo neutro para se referir a uma mulher, quando isso significava contrariar o pedido de uma mulher e ignorar o uso de uma palavra feminina, mas a mesma maioria não conseguiria usar a linguagem neutra e inclusiva para se referir às pessoas não-binárias?

Percebe como reduzir o debate à gramática, à linguística e afins é ver apenas a ponta do iceberg, em um mar de conformação social, misoginia e LGBT+fobia, em um planeta marcado por padrões de opressão?

Se você pode usar uma linguagem menos ofensiva a pessoas não-binárias, por que não usar? E, se você é cisgênero e/ou binário, não adianta você tentar justificar que a linguagem usada pela maioria não é ofensiva, porque não é seu lugar de fala, não é a sua vivência!

Além disso, por educação e respeito, a gente chama as pessoas como elas querem ser chamadas! Se a presidenta quer ser chamada de presidenta, você a chama de presidenta, se a pessoa quer ser chamada de amigue e não de amiga/amigo, você a chama de amigue e fim! No mais, não se oponha à luta do que não dói em você! Pessoa sem noção, empatia e chata… Hum! Chata por demais (até para xingar dá para ser neutro e não falocêntrico, bebê)!

ruleandson do carmo Ruleandson do Carmo – Jornalista (TV UFMG – Cedecom) atuante há 15 anos com jornalismo audiovisual científico. Pesquisador científico do campo da comunicação e informação (Epic UFMG) investigador de sujeitos informacionais de redes sociais, afetos, preconceitos e audiovisual. Ativista em prol dos direitos humanos, em especial, em prol da questão LGBT+. Bacharel em jornalismo (UniBH), especialista em criação e produção para rádio e TV (UniBH), mestre e doutor em Ciência da Informação (UFMG), com residência pós-doutoral concluída (UFMG).
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