Educação

Ensino Remoto

A adaptação de alunos e professores às aulas online

Por Elzimar de Marins-Costa

Por +Gama

Eu sei que há muitas objeções quanto às aulas online e eu mesma não me sinto tranquila para dizer se sou contra ou a favor. Mesmo porque nem se trata disso, já que ensino online pode ter mil formatos e pode ser efetivamente educação ou simplesmente enrolação. Então, este texto é apenas uma reflexão, a partir da minha experiência e dos diversos comentários que tenho lido em meios diversos sobre o que estão chamando de Ensino Remoto Emergencial (ERE). Destaco que estou considerando apenas e exclusivamente o ensino superior em universidades públicas federais. Nada do que eu vou dizer aqui se refere à Educação Básica ou a universidades e faculdades particulares, porque são realidades muito diferentes!

Eu tenho visto vários professores universitários, muitos deles meus colegas, falando da volta às aulas na modalidade virtual como um monstro, que da noite para o dia fosse tornar os professores doentes, fosse excluir uma parcela considerável de estudantes, fosse contribuir para a precarização do ensino, fosse aumentar as despesas com internet, enfim, fosse transformar o trabalho que realizamos como professores até meados de março deste ano em algo completamente diferente e aterrador!

Quero iniciar minhas ponderações falando que minha casa é uma sala de aula há quarenta e um anos, que é o tempo que eu tenho no magistério, porque sempre planejei minhas aulas em casa, sempre preparei materiais para as aulas em casa, sempre corrigi provas em casa, sempre li dissertações e teses em casa, sempre li artigos e dei pareceres, escrevi artigos e organizei coletâneas, e criei coleções didáticas em casa. Nos últimos anos, depois do acesso à internet, muitas vezes interagi com meus orientandos por e-mail e WhatsApp. Quando me reunia com eles presencialmente, muitos arquivos já tinham indo e vindo por e-mail com perguntas e comentários. Nos últimos anos, já vinha interagindo bastante com minhas turmas virtualmente. Disponibilizava todo o material das disciplinas no Moodle, recebia produções textuais por e-mail, usava as ferramentas de revisão do Word ou do Adobe para comentar e avaliar os textos. A maior parte das avaliações também eram disponibilizadas no Moodle. Normalmente, dos 100 pontos de avaliações do semestre, apenas 30 pontos correspondiam a atividades realizadas em sala; as demais avaliações eram intermediadas por recursos digitais. Também já ministrei disciplinas semipresenciais e os resultados foram muito positivos.

Considero que grande parte do meu trabalho como professora sempre foi feito em casa, desde quando dava aula para o Ensino Fundamental I. Há apenas cinco anos eu tenho um escritório reservado para trabalhar, sem interferências, sem ter de compartilhar o espaço com outras pessoas e outras atividades. No entanto, a maior parte do meu tempo como professora eu usei diferentes lugares da casa para trabalhar: a mesa da cozinha, um canto na sala, no quarto ou na garagem.

Minha casa, se não era/é a sala de aula, é uma extensão muito importante dela. Essa constatação, evidentemente, não diminui a importância da outra parte realizada no espaço físico da universidade e sobretudo aquela realizada com as turmas durante as aulas. A interação cara a cara com os estudantes é, sem dúvida, a parte melhor da docência e nada substitui à altura o contato próximo com os estudantes. Só que agora essa é a parte que não pode ser realizada, mas essa impossibilidade não anula nem impede a outra parte. Também não impede os contatos olhos nos olhos por outros meios, seja em uma chamada de vídeo ou em uma aula online síncrona, que não precisam acontecer regularmente, no horário das aulas que seriam dadas do modo convencional, mas podem ocorrer quando necessário. Claro que nunca será igual a estar na sala de aula na universidade! Mas é o que temos para o momento. É o que temos enquanto não houver vacina para a COVID-19. Infelizmente, é fato!

Outro ponto sobre o qual quero opinar diz respeito ao comentário de alguns colegas sobre a qualidade da educação feita desse por meios digitais. E eu me pergunto se a qualidade está nos meios, no formato das aulas, na metodologia, nos conhecimentos do professor, no interesse e engajamento dos estudantes, nos materiais didáticos usados, no tipo de interação professor-aluno (de troca e de construção de conhecimento ou de transmissão de conteúdo; de discussão, respeito e empatia ou de arrogância e imposição), na forma de avaliar, ou até mesmo, se a qualidade não seria resultado disso tudo junto e misturado.

Entendo que o meio – físico ou virtual – é apenas um dos fatores da qualidade da educação. Por outro lado, qualidade é um conceito bastante relativo. Alguns professores acham que quando apenas metade dos estudantes de suas turmas – ou até menos da metade – é aprovada, isso é sinal de que suas aulas foram muito boas (porque foram muito difíceis) e de que suas disciplinas são as melhores, as que têm mais status! E mais ainda, de que eles são mega professores! Porém, os estudantes provavelmente não pensam assim e normalmente empregam qualificativos bem menos polidos para referir-se a esses professores.

Para mim, a qualidade passa por outros aspectos e acredito que a qualidade (e não estou dizendo que é ótima) das minhas aulas não serão prejudicadas porque, no momento, não posso estar dentro da sala de aula na universidade com minhas turmas. Estamos passando por um momento atípico –em minha modesta opinião, não é um “novo normal”,porque desejo que seja um anormal transitório – e vejo como necessária alguma forma de retomar as aulas, não apenas com atividades complementares,que são importantes e bem vindas, mas também com as disciplinas curriculares. Acredito que grande parte dos meus colegas é suficientemente competente para adaptar-se às circunstâncias que, embora desfavoráveis, são as que temos no momento.

E aí vem outra questão: tem-se falado muito sobre inclusão digital, sobre não deixar nenhum estudante de fora. Eu concordo plenamente! E tudo deve ser feito para que ninguém fique excluído. No entanto, o que costumávamos fazer (eu me incluo) quando antes, nas nossas disciplinas ministradas no espaço físico da universidade, alguns estudantes deixavam de comparecer? Nós procurávamos saber se eles estavam sendo excluídos de alguma forma? Se tinham dinheiro para passagem e/ou para tirar xerox do material das aulas? Se tinham tempo para ler todos os textos indicados e estudar para as avaliações? Se chegavam à sala de aula em condições de prestar atenção no que dizíamos? Eu perdi dois alunos que se suicidaram. O que eu fiz por eles? Vários alunos desapareceram das minhas aulas e da universidade. O que eu sabia sobre eles? Nos últimos anos, vários alunos me relataram transtornos diversos (síndrome do pânico, depressão, automutilação etc.), o que eu pude fazer por eles? E aqueles que se foram sem nunca terem me dito nada sobre suas dificuldades? Alguma vez eu me preocupei com a saúde mental dos meus alunos? Alguma vez eu me preocupei se os estudantes tinham recursos para apresentar um trabalho digitado (computador, papel e impressora ou dinheiro para impressão)? Quando eu pedia apresentação oral de trabalhos, eu pensava se os estudantes tinham condição de preparar um Power Point? Quando eu solicitava uma pesquisa, eu perguntava se todos os estudantes tinham tempo de ir à biblioteca ou se tinham meios para procurar informações na internet? Talvez professores da Engenharia, do Direito e da Medicina achem essas últimas indagações ridículas. Como assim não ter recursos para apresentar um trabalho digitado ou fazer uma pesquisa? Nos cursos da área de Humanas, no entanto, essas perguntas não são absurdas. Porque não vamos nos iludir, a exclusão na universidade – com ou sem ERE – varia de acordo com a área de conhecimento e não atinge apenas os estudantes!

Então, o que está sendo chamado de ERE certamente tem inconvenientes, desvantagens e muitos desafios, que não são os mesmos do ensino com presença física. São outros, bem diferentes! Não acho, porém, que sejam empecilhos ou obstáculos para, pelo menos, tentarmos. Não acho que a qualidade das minhas aulas será inevitavelmente ruim porque só poderei usar recursos digitais. Não acredito que terá mais prejuízos do que o ensino cara a cara, apesar de reconhecer que pode ter outros, diferentes. Estou ciente de que não alcançará a todos os estudantes da mesma forma – a questão é que se fosse dentro da universidade também não alcançaria. E com isso não quero dizer que devemos nos conformar! Eu quero dizer que deveríamos nos preocupar com o ensino presencial/físico assim como, aparentemente, estamos nos preocupando com o ensino online. Ou será que quando as aulas voltarem dentro da universidade tudo vai ser como antes? Não vamos mais falar de saúde mental (do professor e do estudante), de inclusão digital, de metodologia e qualidade da educação, de precarização do ensino? Não seria hipocrisia?

Para terminar, comento dois pontos menos importantes. Tenho visto alguns colegas preocupados com os estudantes que, durante uma aula online síncrona, desligarem câmera e microfone, pois essa seria uma forma de somente fazer de conta que está na aula. Ora, se existe alguma forma de garantir que um estudante dentro da sala de aula na universidade esteja de corpo e pensamento presentes, por favor, me digam! Aliás, eu me pergunto quantas vezes, assistindo a uma aula (na graduação e na pós), meu pensamento estava em outro lugar completamente diferente.Também tenho visto dúvidas sobre formas de avaliação no ERE. Intuo que por trás dessa preocupação existe aquele incômodo: o que eu vou fazer para meu aluno não colar? Bem, essa dúvida seria a cereja do bolo, porque se, a essas alturas, um professor universitário está preocupado com estudante colando, então, é melhor deletar tudo que eu disse até aqui.

Finalizando, eu quero dizer que a sensação da vida parada que a pandemia e o isolamento físico nos impuseram pode, pelo menos no meu caso, ser amenizada com a volta às aulas, embora por meios digitais. Quero acreditar que muitos estudantes terão essa mesma sensação. Não quero de maneira nenhuma minimizar as preocupações com o ensino online, mas gostaria que pensássemos em formas de praticar temporariamente a EDUCAÇÃO online, que nunca será igual à presencial/física, mas não terá menos qualidade, apenas será de outra forma.  Não se trata de transpor o que fazíamos dentro da sala de aula na universidade para as mídias digitais. Trata-se de adequar nossas disciplinas aos novos meios, temporariamente. Acredito que podemos ganhar muito mais do que perder.

Reiterando: tudo que eu disse aqui se refere exclusivamente ao ensino superior em universidade pública federal, especificamente à área de Humanas, que é o lugar de onde eu falo. Além disso, de maneira alguma minhas reflexões ignoram os problemas relativos à saúde do corpo e da mente, bem como questões trabalhistas que possam derivar do ensino remoto. Eu quis apenas falar de outra perspectiva.

Elzimar

Elzimar de Marins-Costa é doutora em Letras Neolatinas e professora da FALE/UFMG. Atua no PosLin e no ProfLetras. Desenvolve pesquisas na área de Linguística Aplicada. É co-autora da coleção Sentidos enLenguaEspañola e co-organizadora da coleção BeyondWords, ambas aprovadas pelo PNLD.

 

 

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