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colorismo

Colorismo

“A viagem pelo histórico do Censo ajuda a dimensionar o quanto é difícil discutir cor e identidade racial em um dos países mais miscigenados do mundo…”

Por Andreza Maya

Por +Gama

Pardo, moreno, mulato, castanho, café com leite…essas foram algumas das respostas que os entrevistadores do IBGE ouviram no ano de 1976, quando deixaram que os Brasileiros consultados respondessem qual era sua cor. Foram 136 variações para o que hoje o instituto chama simplesmente de pardo em suas pesquisas. Essa viagem pelo histórico do Censo ajuda a dimensionar o quanto é difícil discutir cor e identidade racial em um dos países mais miscigenados do mundo! Este artigo retrata esta realidade e coloca em pauta o colorismo.

Antes de iniciar a leitura, é importante saber que não dá para procurar respostas simples para problemas complexos e por isto te convido a não somente ler, mas também refletir em relação a tudo que será apresentado aqui! Vamos lá?

Definição

O colorismo, também é definido como pigmentocracia, é a hierarquização de pessoas negras uma discriminação racial baseada exclusivamente em fenótipos e tons de pele. O termo nos diz que ”quanto mais escuro é o tom de pele de alguém, mais exclusão essa pessoa sofre na sociedade”.

Ao contrário do racismo, que se orienta na identificação do sujeito como pertencente a certa raça para poder exercer a discriminação, o colorismo se orienta somente na cor da pele da pessoa. Isso quer dizer que, ainda que uma pessoa seja reconhecida como negra ou afrodescendente, a tonalidade de sua pele será decisiva para o tratamento que a sociedade dará a ela. Quanto mais pigmento, mais racismo!

Interpretação racial 

Este termo foi utilizado pela primeira vez em 1982 pela escritora Alice Walker no seu livro “If the Present Looks Like the Past, What Does the Future Look Like?” Traduzido em português para: “Se o presente se parece com o passado, como será o futuro?”.

Mas a pergunta é: se este termo é tão antigo, porque ainda enfrenta tamanha resistência no território brasileiro? – Talvez porque aqui a leitura de raça seja estruturada em pilares diferentes dos que sustentavam a realidade de Alice em 1982.

E por isto, introduzo aqui um conceito de diferenciação dos processos de interpretação racial. Alice Walker cunhou a definição de colorismo ao nascer e viver em um país, os Estados Unidos, em que uma única gota de sangue africano já automaticamente rotulava alguém como negro, o que nos remete à busca por uma raça pura e completamente igual.

Já aqui no Brasil, a situação é diferente. Tivemos imigrações de diversos povos e etnias, o que torna simplesmente impossível categorizar uma pessoa como negra ou branca apenas por uma parcela de seu DNA ou por algum ancestral perdido em sua linhagem.

Aqui, o que define como um indivíduo será socialmente compreendido são os seus traços, sua pele, seu corpo e seu cabelo. Então, diferentemente dos Estados Unidos, a nossa leitura racial é baseada no fenótipo, ou seja, a manifestação visível e detectável de um traço genético. Enquanto nos Estados Unidos, o genótipo é o que ditará a sua categorização racial.

Não estou falando que o termo é inválido ou incorreto. Inclusive quero enfatizar que a discussão do colorismo é FUNDAMENTAL na luta antirracista, mas precisamos olhar para o todo dentro de um processo histórico para entendermos que o colorismo ocorre de forma diferente em outros países.

Esta é a maior questão que assola a identidade do povo Brasileiro. Um povo que não é negro retinto, mas, com toda a certeza, também não é o caucasiano inquestionável.

UFA, que complexo né? aposto que sua mente quase ”bugou”. HAHAHA – Respira, bebe água e continua comigo. Pois agora vamos falar dos efeitos do colorismo na sociedade…

Como funciona na sociedade

Para a sociedade, a imagem de uma pessoa negra está diretamente associada à África e por isto só é considerada propriamente negro quem possui proximidade com o fenótipo africano e traços negroides.

É como se definissem uma ”persona” no qual a pessoa negra precisa necessariamente atender todos os requisitos de raça e características físicas determinadas. Caso isto não ocorra a pessoa não pode ser considerada negra e sim ”morena, mulata, da cor do pecado ou cor de jambo”. Acredita-se que chamar alguém de negro é ofensivo e, por isto, introduzem estes adjetivos!

Para reflexão, quero deixar explicito o conceito de mulata:

Na língua espanhola, mulato referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. 

A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. Isto acontece, pois acredita-se que o ”embranquecimento” desta pessoa através de expressões faz com que o incômodo ou peso de ser negro seja amenizado.

Com isto, a pessoa preta não retinta se aproxima mais do padrão estético das pessoas de pele branca e, por isto, é possível que ela seja mais bem recebida nos espaços sociais. O que também os confere mais oportunidades, aceitação e, consequentemente, maior possibilidade de ascensão. Abaixo a Rihanna como exemplo de mulher preta de pele clara e traços finos.

colorismo
Rihanna. – Foto: Divulgação

Nesta relação, o importante não é convencer-se de que a pessoa seja na verdade branca, mas sim conseguir ignorar seus traços negros a ponto de conseguir imaginá-la branca, e poder suportar sua presença em espaços que ela não poderia ocupar, porque o racismo a impede. Esse é um aspecto muito importante no colorismo: a pessoa não retinta é tolerada, mas não necessariamente aceita e isenta de preconceito!

E a discussão vai muito além…

O colorismo não é um problema exclusivo da interação entre a branquitude e o sujeito negro dos mais variados tons na sociedade, ele gera conflito também dentro da comunidade negra.

Este processo que tolera e privilegia apenas uma parte do grupo cria um sentimento de injustiça que pode intensificar a falsa ideia de que as pessoas de pele clara não seriam negras, já que possuem o mesmo ”acesso” e desfrutam da mesma possibilidade de espaços como as pessoas brancas. E isto, em pleno século XXI, ainda remete à divisão das atividades no contexto da casa grande e da senzala, quando a negra dita como a mais bonita era quem poderia entrar na casa grande para realizar as tarefas.

Isto faz com que muitas pessoas duvidem da sua ancestralidade, questionem a sua competência, nunca se considerem boas o bastante e se enxerguem como o um ser incompleto, híbrido e sem identidade.

Agora tudo faz sentido né? Perceba impacto do colorismo na sociedade e o quanto ele está atrelado ao racismo estrutural. Note também que é fundamental compreender raízes históricas para a criação de políticas públicas eficazes. Perceba o quando é necessário apoiar o autoconhecimento, incentivar grupos de identificação e principalmente entender o papel das pessoas brancas na construção de uma sociedade mais igualitária.

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Foto: Divulgação

Quero te dar tempo para refletir sobre tudo que falei e por isto me despeço por aqui. Espero que este conteúdo tenha sido relevante para o seu processo de conhecimento e que ele tenha um papel importante na sua trajetória. ❤❤


Abaixo disponibilizo indicações de conteúdos que me ajudaram no entendimento deste tema. – 😒Aff, mas neste caso eu vou precisar ler ou estudar? Sim, meu anjo, você vai. Tira aí uma horinha da sua semana e vai se inteirar sobre o assunto.

O meu objetivo é encurtar distâncias através do conhecimento, isto não significa que é de minha responsabilidade o seu letramento racial. Significa que: quero usar a minha voz para ecoar conhecimento, e aprendizado tendo como o resultado – respeito. Espero ter contribuído!

P.S: Este artigo foi escrito e publicado por mim em Dezembro de 2020 e hoje atualizado com conteúdo e informações sobre o tema.


Indicações

O olho mais azul – Toni Morrison: O livro foi escrito na década de 70 no período em que a luta por diretos civis nos Estados Unidos estava no auge. Ele explica sobre algo que nem tinha nome naquela época – O Colorismo! E ele conta principalmente como isto influencia a vida de diferentes grupos negros em relação à educação que recebiam, as oportunidades que tinham e até com quem se casariam. Outro ponto importante que o livro aborda é que esta variação dos tons levaria também a identificações sociais diferentes e a um apagamento da história negra criando um tipo de ”hierarquia” baseada no tom da pele negra.

Ceará Criolo – Colorismo: ”Ser negro de pele clara e classe média, não me protege do racismo”. Este texto explica o colorismo na visão de uma pessoa branca de pele clara. Vale a pena ler.

O Avesso da pelo – Jeferson Tenório: este livro conta a história de Pedro, que, após a morte do pai, assassinado numa desastrosa abordagem policial, sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos. Com uma narrativa sensível e por vezes brutal, Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo.

Racismo Estrutural – Silvio Almeida: Muito mais do que a ação de indivíduos com motivações pessoais, o racismo está infiltrado nas instituições e na cultura, gerando condições deficitárias a priori para boa parte da população. É a partir desse conceito que o autor Silvio Almeida apresenta dados estatísticos e discute como o racismo está na estrutura social, política e econômica da sociedade brasileira.

Autodeclaração e a diferença entre raça e etnia: Luana Génot e a influenciadora digital Lian Tai conversam sobre a experiência de ser amarelo no Brasil, diferença entre raça e etnia, e como sublimar a identidade de uma pessoa pode ser uma violência a sua subjetividade. O especialista Leonardo Sakamoto traz apontamentos sobre a diversidade do povo amarelo e destaca a necessidade de refletir a necessidade de representatividade na mídia.

Obrigada por ter chegado até aqui, me conta se este artigo te ajudou e me dê feedbacks sobre o conteúdo apresentado. Ah, e não perca o próximo sobre racismo estrutural e lei de cotas. Até logo!

Algumas fontes:

https://www.geledes.org.br/tag/colorismo/

https://www.geledes.org.br/o-colorismo-e-o-privilegio-que-ninguem-te-deu/

https://www.geledes.org.br/negros-de-pele-clara-por-sueli-carneiro/

https://www.geledes.org.br/miscigenacao-racial-brasil/

https://www.geledes.org.br/colorismo-o-que-e-como-funciona/

Andreza Maya Andreza Maya
Mulher preta, periférica nascida e criada em Contagem. Amo netflix, queijo e sol (nesta ordem). Bacharel em RH cursando africaniedades e cultura afro brasileira! Super engajada com pautas raciais e sociais, produzo conteúdo no likedin e reposto memes no Instagram. @andrezamaya❤
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