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PL 504/2020: danosa é a LGBTIfobia

Por Alice de Perdigão Lana
e Francielle Elisabet Nogueira Lima

Por +Gama

A importância da publicidade nos dias de hoje é inegável. Ela espelha e conversa com desejos e anseios de vários segmentos da população. Nos últimos anos, estamos acompanhando uma mudança notável – e bem-vinda – neste ramo, com a valorização da representatividade em anúncios publicitários dos mais diversos produtos e serviços.

Um bom número de campanhas mais recentes busca ir além do protagonismo da tradicional “família-de-comercial-de-margarina” – quase sempre branca, heterossexual, cisgênera, magra, jovem, de olhos azuis e cabelos loiros, acompanhada da estabilidade de um sorriso inabalável. Há uma crescente tendência para a representação, na mídia, da diversidade da população brasileira, incluindo pessoas negras, pessoas com deficiência, pessoas gordas, pessoas idosas e muito mais. É natural, portanto, que a diversidade sexual (de gênero e de orientação sexual), frequentemente nomeada pela sigla LGBTQIA+ e suas variantes, também faça parte desse movimento que objetiva romper com padrões no âmbito publicitário.

Na contramão, todavia, está o Projeto de Lei nº 504/2020, proposto pela deputada Marta Costa (PSD), em trâmite na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), que possui como escopo a proibição da publicidade de qualquer material que contenha “alusão a preferências sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças no Estado de São Paulo”, com o objetivo de limitar a veiculação de supostas “práticas danosas”.

Na justificativa do projeto, há afirmações de que o “uso indiscriminado deste tipo de divulgação” traria “desconforto emocional para famílias” e estabeleceria práticas e influências “não adequadas” para crianças.

O projeto, que entraria em votação em 22/04/2021 (novamente adiada para a semana seguinte), vem, desde o início, contando com forte mobilização contrária, encabeçada institucionalmente pela deputada estadual Érica Malunguinho (PSOL). A parlamentar contou com grande apoio de militantes em defesa dos direitos humanos da população LGBTQIA+ nas redes sociais, especialmente através do uso das hashtags #RespeitaHumanidadeLGBT, #AbaixoPL504 e #LGBTNãoÉMáInfluência.

Ao proibir a veiculação de peças publicitárias que retratem orientações sexuais diversas da heterossexualidade, e identidades e expressões de gênero não normativas – e não “preferências sexuais”, como assinalado genérica e erroneamente na redação original do PL -, o conteúdo do projeto se mostra flagrantemente discriminatório. Não se trata de um mero limite à liberdade publicitária, mas, sim, de uma afronta direta aos direitos humanos das pessoas LGBTQIA+, incluindo crianças e jovens que fazem parte desse grupo, os quais a proposta legislativa supostamente visa a “proteger”.

A propósito, é curioso notar como a retórica de (falsa) proteção à infância e à juventude é frequentemente acionada por grupos neoconservadores na implementação de projetos políticos contrários aos avanços no campo de gênero e sexualidade (as chamadas políticas ou ofensivas antigênero). Não raro, os discursos propagados por esses segmentos maquiam-se de uma suposta preocupação com crianças e adolescentes, sujeitos esses forjados em ideais de pureza e sacralidade completamente descolados da concretude da vida, a qual mostra, por sua vez, que a diversidade sexual e de gênero pode, sim, ser construída em diferentes momentos, nas mais distintas faixas etárias.

Igualmente preocupante é a violação à manifestação da pluralidade de pensamento disseminada pelo PL, que pode configurar censura. Ao condenar a referência, na publicidade, às pautas de movimentos sociais pela diversidade sexual e de gênero, o Projeto de Lei 504/2020 ofende diretamente o artigo 220 da Constituição Federal, o qual determina que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” no âmbito da comunicação social.

Além da patente inconstitucionalidade do teor do projeto, a iniciativa estadual fere a competência exclusiva da União para legislar sobre publicidade e propaganda, o que também é tematizado no artigo 22, inciso XXIX, da CF.

É claro que as alterações sociais necessárias para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária não virão apenas da inclusão de pessoas LGBTQIA+ em publicidades. Entretanto, a mobilização de uma proposta legislativa específica como a que aqui se discute, diz respeito a algo muito mais grave: a aniquilação do direito de ter a sua existência reconhecida socialmente. Vetar o retrato de famílias que não necessariamente se encaixam nos moldes cis-heteronormativos, sob o argumento de que a sua existência é “danosa” para as crianças, é o mesmo que dizer que essas pessoas não têm sequer o direito de existir, e que tais existências diversas devem ser apagadas, pois não há espaço para experiências que fogem à norma.  

No entanto, a realidade que pulsa e se desenvolve no cotidiano nos mostra justamente o oposto: a sociedade, incluindo as crianças, floresce com a diversidade e com o respeito ao diferente. As práticas danosas que verdadeiramente precisam ser condenadas são a intolerância e o preconceito – em todas as suas formas.

Alice de Perdigão Lana

Alice de Perdigão Lana

Mestranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná/UFPR. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Direitos Autorais e Industriais – GEDAI/UFPR e do Grupo Direito, Biotecnologia e Sociedade – BIOTEC/UFPR. Administradora da página “Direito Civil por Elas” no Instagram.

Francielle Elisabet Nogueira Lima

Francielle Elisabet Nogueira Lima 

Doutoranda em Direito das Relações Sociais na Universidade Federal do Paraná/UFPR. Mestra em Direitos Humanos e Democracia pela mesma instituição. Pesquisadora do Núcleo de Direitos Humanos e Vulnerabilidades e do Núcleo de Estudos em Direito Civil Constitucional “Virada do Copérnico” (UFPR). Advogada e professora universitária. Administradora da página “Direito Civil por Elas” no Instagram.

 

 

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