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Quem ama não mata

O movimento feminista QANM completa 40 anos e traz questões importantes acerca do recrudescimento da violência contra a mulher.

Por Bárbara Watanabe

Por +Gama

Atualmente, a taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Segundo dados do Mapa de Violência de 2015, o número de assassinatos chega a ser de 4,8 para cada 100 mil mulheres. O Mapa também aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 pessoas morreram apenas por serem mulheres. O recrudescimento da violência contra a mulher está cada vez maior e, somente nessa pandemia, o aumento se deu em 50%.

O machismo mata mulheres há milhares de anos, mas vem sendo denunciado somente há pouco mais de 4 décadas. Se nos dias atuais a violência contra a mulher ainda é algo pouco mencionado, imagine em uma época na qual nem se tinha noção da realidade do que as mulheres passavam. A lei do feminicídio, lei Maria da Penha e as delegacias de mulheres surgiram somente depois de muita luta vinda dos movimentos de mulheres e feministas.

Em Minas Gerais, a luta feminista começou com o movimento “Quem ama não mata”, criado em 1980 em Belo Horizonte. Foi um dos marcos mais importantes do movimento feminista mineiro. Criado em plena ditadura militar, o “Quem ama não mata” foi símbolo de resistência política.

O movimento surgiu após a morte de duas mulheres, Heloísa Ballesteros e Maria Regina Souza Rocha, assassinadas por seus maridos. A jornalista Mirian Chrystus, coordenadora do movimento QANM conta como a pauta surgiu em Minas Gerais. “O ato da igreja São José, é um ato histórico que foi muito bem coberto pela mídia e se tornou um assunto nacional. Nos questionavam, na época, “por que vocês vão fazer um ato em protesto contra a violência contra a mulher por causa de duas mulheres de classe média alta e alta? Sendo que, todos os dias morrem mulheres nas comunidades.” Nós sabíamos. Éramos jornalistas e sabíamos que a morte de mulheres de classe alta daria uma boa pauta. Tivemos essa ideia de fazer esse ato com uma indignação que era real, sincera. Mas nós queríamos muito mais.”

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Foto: Reprodução/ Instagram

O ato da Igreja São José reuniu mais de 400 mulheres e foi um ato estético-político. Centenas de mulheres carregando velas e rosas vermelhas chamaram atenção da mídia nacional e internacional para os feminicídios que aconteceram. “Ele tinha a beleza e a função da poesia, que era muito importante. Foi um momento muito bonito, porque eu sempre tive essa ideia que qualquer ato tem que tocar as pessoas não só pela razão, mas pela emoção. O ato foi importante por vários motivos, mas principalmente, porque ele exige a redemocratização do país, alertando que a democracia tem que começar em casa”, explica a jornalista.

Dali nasceu a frase “Se se ama não se mata”. Surge como uma pichação no muro do mais tradicional colégio de BH na época. Uma semana mais tarde ele transmuta para Quem Ama Não Mata. “Essa palavra de ordem pressupõe um vocabulário de quem ama protege, quem ama cuida, quem ama não bate. É quase impossível ir contra essa palavra de ordem. Considero que nós, do movimento, somos portadoras dessa palavra, desse poema”, diz Mirian.

Após o surgimento do movimento em 1980, as primeiras medidas para garantir direitos às mulheres foram conquistadas. A Defesa da Mulher foi criada e protagonizou as primeiras pesquisas acerca da violência contra a mulher em um sentido bem amplo. Incluindo violência física, psicológica, sexual e patrimonial. Em uma época em que não existia números e nem nome para as coisas, essa foi uma grande conquista para nós, mulheres. Naquele momento, houve o conhecimento da realidade do que as mulheres passavam em suas casas. Um lugar que não remete somente ao afeto, mas também à violência.

As décadas de 80 e 90 foram muito importantes para a conquista de políticas públicas voltadas para a mulher. Foram cerca de cinco anos de luta para que houvesse algumas vitórias na Constituição de 1988. A primeira política fundamental, é quando você tem uma igualdade jurídica da mulher e do homem. E a segunda, é que consegue ser implantada a noção de que o estado é responsável por proibir a violência contra a mulher. Isso abre caminho para a implementação algum tempo depois da Lei Maria da penha.

“Foram grandes conquistas no sentido de transformar a mulher em uma cidadã. Porque a gente sempre dizia que somos cidadãs de segunda categoria. Não somos mais! Temos que continuar reivindicando, mas não somos mais”, diz Mirian Chrystus. “As feministas lutaram e as mulheres conseguiram muita independência, muita autonomia. E a partir de 1980, 2000, começa, então, essa reação chamada de neoconservadora, contra o feminismo. Elegendo o feminismo não como adversário que seria uma coisa normal em uma democracia, em que você tem debate de ideias. Não, o neoconservadorismo elegeu o feminismo como inimigo e ponto público número um. E principalmente no Brasil, a gente está vivendo isso hoje.”

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Foto: Reprodução/ Instagram

Em 2018, o movimento QANM retorna com todas as forças. A coordenadora do movimento diz “O feminicídio é uma violência reativa. As mulheres conquistam autonomia e os homens não aceitam. São mortas dentro de relações, muitas vezes, por companheiros, ex-companheiros, amigos, pais, irmãos. O Quem Ama Não Mata volta, faz esse ato agora com as várias vozes plurais da cidade que não existiam em 1980. Quando você tem a representação da associação das profissionais do sexo, das lésbicas, das trans, do movimento feminista negro, política etc. Então já é um panorama de vozes plurais que não existiam antes. E em relação ao objetivo central, continua sendo o mesmo, a violência contra a mulher, em seus mais variados níveis.”

No Brasil, 61% das vítimas de feminicídio são negras. “O feminismo negro vem com ideias importantíssimas não só sobre o feminismo abstrato que eu pregava, mas a sororidade abstrata que vem de uma noção de concretude. A violência é vivenciada por todas as mulheres, mas algumas enfrentam muito mais essa violência, basta ver as estatísticas. As mulheres negras enfrentam todo esse machismo, patriarcado e capitalismo de uma forma muito mais dura e mais cruel. E elas colocam questões muito importante para nós, feministas brancas”, diz Mirian.

Eleva sua voz. Use seus privilégios, sua voz e recursos para ajudar outras mulheres. Conheça causas que vão além da sua zona de conforto. Procure saber sobre o movimento indígena e o negro. E o mais importante… Denuncie se presenciar algum tipo de violência.

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Foto: Reprodução/ Instagram

Temos que continuar lutando para que nossa voz e nossos direitos sejam cada vez mais reconhecidos. A democracia deve ser inclusiva e igualitária. E o mais importante, concreta na vivência de cada um. Foram quarenta anos de luta feminista em Minas Gerais, e vamos continuar levantando nossa voz para conquistar cada vez mais direitos nesses quarenta anos que virão!

*O texto foi baseado na entrevista de Valéria Said e Mirian Chrystus, você pode conferir a entrevista completa aqui.

Se você sofre ou presenciou algum tipo de violência contra as mulheres, denuncie. Existem diversos serviços e instituições que podem prestar o atendimento e o apoio necessários para romper o ciclo da violência.

Ligue 180 – Central de atendimento à mulher

Funciona 24h por dia, de segunda a domingo, inclusive feriados. A ligação é gratuita e o atendimento é de âmbito nacional. O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher e locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.

Bárbara Watanabe Oi!! Meu nome é Bárbara Sayuri Watanabe. Sou estudante de jornalismo, fotógrafa (@barbarasayurifotografia) e tenho uma paixão enorme em consumir e criar arte!
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