Educação
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Negras em foco

Estudo busca dar voz às trajetórias de professoras negras de Belo Horizonte

Por Tuany Nathany

No Brasil, a educação é um direito constitucional, garantido por lei a todos. Porém, mulheres negras e homens negros ainda precisam enfrentar desafios particulares nessa jornada.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a proporção de jovens de 15 a 29 anos que não concluíram o ensino médio e não estudavam em 2019 era maior entre pretos e pardos, cerca de 55,4%, enquanto entre brancos era de 43,4% (clique aqui). Informações como a do relatório do site Quero Bolsa (veja aqui) de que entre 2010 e 2019 o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400% – chegando a 38,15% do total de matriculados – nos enche de esperança.

Contudo, nos lembra que esse percentual ainda está abaixo da representatividade no conjunto da população (56%) e mostra que, ainda, há muito o que se fazer. Uma vez que o acesso de pessoas negras ao ensino superior no Brasil é uma conquista fundamental, como mostra a pesquisa “Trajetória de professoras negras: educação, gênero e raça” (acesse o estudo aqui).

O estudo, desenvolvido pela pesquisadora Kelly da Silva, investiga como egressas cotistas do curso de Pedagogia, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) de Belo Horizonte, construíram-se como professoras, além de verificar como lidam com a temática ‘gênero e raça’ em sala de aula. A tese nasceu da necessidade da pesquisadora em visibilizar as trajetórias de mulheres negras e professoras, nas quais as cobranças são maiores, mas o reconhecimento, muitas vezes, é inexistente.

Em entrevista cedida a revista Minas Faz Ciência, Silva contou que pensar em como os profissionais atuam contra a discriminação racial, nos espaços em que atuam, nos leva a compreender a importância das políticas públicas. Para ela, a própria presença de profissionais negras em instituições de ensino estimula as crianças e os adolescentes negros a conquistarem mais espaço, propiciando, assim, um círculo virtuoso.

A luta das mulheres negras

A pesquisadora também contou que as narrativas das professoras entrevistas no estudo são fortes e, em vários momentos, a fizeram se lembrar da sua própria história.

Mulher negra, filha de mãe solo, Kelly tem um irmão mais velho, que foi até a quarta série escolar, e uma irmã gêmea. Hoje ela é professora universitária, mas, aos dez anos, já dividia o tempo entre a escola e as faxinas. Foi assim até os 21 anos, quando foi aprovada na Universidade Federal de Viçosa (UFV), para o curso de Pedagogia.

Outro ponto marcante do estudo são os inúmeros traços do racismo estrutural nas falas das entrevistadas, mesmo ao descrever experiências cotidianas. Mostrando como a cor da pele e a diferença de gênero impõem uma luta singular às mulheres negras e a importância de entendermos e falarmos sobre a interseccionalidade – teoria que busca compreender a complexidade das identidades e das desigualdades sociais, por meio de abordagem integrada.

Educação antirracista 

Apesar da pouca instrução escolar das famílias das professoras entrevistadas, essas mulheres alcançaram o sucesso e contribuem com a educação antirracista. Segundo a pesquisadora, essas mulheres saíram da estrutura do ‘não lugar’, para protagonizar suas vidas.

Apesar de terem sidos excluídas, discriminadas e violentadas, conseguem se fazer ouvir. E mais: formam outras crianças negras, que também podem se reconhecer como detentoras dos mesmos direitos a que a ‘branquitude’ sempre teve acesso. Contudo, o caminho a ser percorrido ainda é longo.

Para se ter uma ideia, a Lei 10639 – que altera a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e inclui no currículo a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas públicas e privadas do país – ainda não está totalmente implementada nas escolas. Aprovada há quase duas décadas seu objetivo é resgatar a contribuição da população negra na formação do Brasil, sem restringir o tema à escravidão, elevando a autoestima de alunos negros e pardos.

Confira a entrevista da professora Kelly da Silva na íntegra aqui.

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Tuany Nathany

Alma curiosa que busca entender os ‘por quês’ e ‘comos’ da vida. Jornalista por profissão e pesquisadora de coração, sou especializada em jornalismo em ambientes digitais e em comunicação pública da ciência. Na pesquisa, e na vida, meus principais temas de interesse são gênero, mulheres na ciência, redes sociais e divulgação de ciência para crianças.

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