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Sansão, cachorro que teve as patas traseiras decepadas em Minas Gerais, durante a pandemia. Foto: reprodução

Maus-tratos a animais

O número de agressões a animais também aumentou durante a pandemia da Covid-19. Esta prática que, na verdade, é recorrente mesmo antes da quarentena, é motivada, quase sempre, pela sensação de impunidade.

Por Paloma Chierici

Sansão, cachorro que teve as patas traseiras decepadas em Minas Gerais, durante a pandemia. Foto: reprodução

Vamos falar de maus-tratos? Mas em relação aos animais. Não que todas as agressões e adversidades que passam as chamadas minorias (mulheres, gays, negros, etc.), em nosso país, não sejam importantes para serem colocadas em evidência, mas, como estamos em uma editoria que fala sobre animais, vamos dar voz a essas criatura que, literalmente, não têm voz.

Recentemente, li vários artigos e vi várias reportagens na tevê as quais falavam que as agressões a animais aumentaram durante a pandemia do maldito Corona vírus. Triste? Muito! Mesmo porque, essa não foi a única violência que aumentou durante esse período. Comecei a me questionar o porquê de o ser humano expressar suas frustações, matando e torturando seres mais indefessos como animais, mulheres, gays, negros… sim, estamos no mesmo patamar.

Claro, não quero aqui expressar um falso moralismo. Não sou vegana, infelizmente, não consigo. Como animal morto que prefiro não saber como morreu. Mas, não mato por diversão. Mato (indiretamente, ou talvez não) por uma necessidade que tenho. Mas há pessoas que se divertem em maltratar. Há pessoas que se realizam, cortando as duas patas de um cachorro, como recentemente vimos no caso Sansão aqui em MG, não bastava matar o cachorro em um momento de raiva, era necessário ver sofrer, talvez, olhar nos olhos daquele animal o desespero e a dor para se sentir realizado… doentio, para dizer o mínimo.

E esse não é o único exemplo vindo do estado das Minas Gerais. Na mesma época, câmaras de segurança captaram, em Brumadinho, o momento em que homens jogavam, num rio, um cachorro. Outra vez, você não mata de uma vez, você provoca sofrimento e agonia, jogando o animal, ser que não pensa para a lei e para os estudos científicos, mas que vive, que sente, que chora, em um rio para uma morte lenta. Para quê? Para seu puro prazer! Uso o possessivo SEU com a intenção de te chocar, leitor deste texto, mas, como eu já disse, não sou vegana, devo me incluir: para NOSSO prazer.

Claro que, devido a todas as adversidades provenientes da pandemia como a perda de emprego, o aumento no abandono de animais poderia ser justificado. Mas maus-tratos? O que pode justificar crueldade? Que prazer se tem ao provocar dor? Talvez a impunidade. Impunidade ao saber que não dá nada para você, agressor. Nossas leis em relação às agressões contra com animais são, em minha opinião, pífias. Com base nas minhas crenças e achismos, fui tirar minhas dúvidas com um especialista, o advogado criminalista Fernando Nascimento dos Santos, que também é doutorando em Direitos Humanos e Cidadania e professor de Direito.

Vale ressaltar que, recentemente, foi aprovada, pelo senado, a Lei Sansão, nome em homenagem ao cachorrinho citado acima que, mesmo passando por uma crueldade indescritível, sambou na cara dos seus agressões e deu um exemplo de força e de vontade de viver. Tal lei prevê reclusão de dois a cindo anos para quem comete maus-tratos contra cães e gatos. No entanto, estamos, ainda, à mercê da sanção presidencial… (pausa para um silêncio de nervoso).  Vamos entender o que temos no momento.

Recentemente, vimos o caso de agressão a um cachorro que cortaram as patas dele. O agressor pagou apenas uma multa. Quais são as punições previstas quando constatados os maus-tratos a um animal?

A lei dos crimes ambientais, que também prevê os crimes contra os animais, estabelece pena de detenção, de três meses a um ano, além da aplicação de multa, para o abuso e maus-tratos de animais.  Essa pena pode ser aumentada de um sexto a um terço, se, em virtude dos maus trados, ocorrer a morte do animal.

FERNANDO NASCIMENTO DOS SANTOS. Doutorando em Direitos Humanos e Cidadania/ CEAM-UNB; Mestre em Direito Público pela PUC Minas; Especialista em Ciências Penais pelo IEC/PUC Minas; Especialista em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pelo CRISP/UFMG; Procurador autárquico no Conselho Federal de Engenharia e Agronomia – CONFEA; Professor de Direito no IESB e UNIEURO; Advogado Criminalista. Foto: Arquivo pessoal

A sensação que eu tenho é que as penas são muito brandas, isso é verdade? Por quê?

Falar de pena branda é sempre complicado, porque nosso legislador não tem muita noção de proporcionalidade na hora de fazer a lei e, às vezes, há interesses inconfessáveis na definição de crimes e penas. Várias situações que consideramos graves têm penas brandas, outras que consideramos leves, têm penas altíssimas.

Acho que deveremos priorizar o debate sobre efetividade e conscientização. Na medida em que esses abusadores de animais tomarem consciência de que maus-trados de animais é crime e receberem punição, ainda que seja de multa ou prestação de serviço à comunidade, já teremos um efeito pedagógico importante.

Precisamos, então, fortalecer, cada vez mais, o combate aos crimes contra os animais, denunciando, levando à delegacia, fazendo as ocorrências, investigando, levando ao Judiciário e aplicando as medidas ou penas que a lei prevê.

Quais os requisitos para que um agressor de um animal seja condenado à pena máxima?

É preciso entender a lógica do sistema penal brasileiro, que priorizou as penas alternativas para os crimes considerados de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles cuja pena não seja superior a 2 anos. Então, na prática, a maioria das infrações penais, de qualquer espécie, inclusive contra os animais, acaba se resolvendo por meio de uma espécie de acordo, chamada transação penal, antes de iniciar o processo, com prestação de serviço à comunidade, reparação de danos, etc.

E, ainda assim, nas infrações cuja pena mínima seja de até um ano, se não houver esse acordo no início do processo, o acusado ainda terá a oportunidade de fazer um acordo suspensão condicional antes do juiz receber a denúncia, resolvendo-se também com medidas alternativas à prisão. Então, dificilmente alguém, no Brasil, cumprirá pena de prisão nesses crimes considerados de menor potencial ofensivo.

Somente quando, num caso concreto, esses benefícios não forem aplicados, é que poderemos pensar na possibilidade de aplicação da pena máxima, que vai depender das circunstâncias dos fatos (como, por exemplo, a forma como se deu as agressões ou maus tratos), da reincidência, etc.

Mas, ainda assim, se for aplicada a pena máxima, digamos de um ano para o crime de maus-tratos, o Código Penal tem regra específica para substituir a pena privativa de liberdade por penas alternativas, se presentes determinadas condições.

No final das contas, pena de prisão é medida excepcionalíssima no Direito brasileiro. Mas isso vale para a maioria das infrações penais, não apenas para os crimes contra os animais.

Ao julgar um crime de maus-tratos a um animal há uma comparação com um crime cometido a um humano? Há uma espécie de gradação?

Essa pergunta é extremamente interessante, pois está sempre no imaginário popular.

Ponderações e comparações sobre crime cometidos contra animas ou contra pessoas, inclusive para fins de definição das penas ou para avaliar a gravidade do crime, é feita no momento da elaboração da lei. Os parlamentares levam em consideração várias questões e devem ter muito cuidado na hora de definir quais condutas devem ser consideradas crimes e também qual a pena mais adequada.

Evidentemente que deve haver uma relação de proporcionalidade e não é uma tarefa fácil para o legislador definir o que vale mais: a vida humana ou a de um animal, por exemplo. E, muitas vezes, o debate é feito nesses termos, de forma muito reducionista. Creio, entretanto, que a criação de crimes e penas criminais deve ser reservada para situações limítrofes, porque o Estado dispõe de vários mecanismos para resolver a maioria dos conflitos. Por exemplo, uma pesada pena de multa aplicada administrativamente pode ter um efeito punitivo e pedagógico muito maior que penas criminais em determinadas situações. A análise, como disse, é complexa e deve ser feita sem paixões.

De todo modo, na hora de julgar, o juiz estará adstrito ao que já foi previsto na lei, onde as penas, os critérios para sua aplicação, os benefícios, etc., já foram definidos.

 Em uma reportagem que fiz, conversei com advogados sobre direito de família. Fiquei sabendo que os animais são considerados coisas pela Lei. Em crimes de maus-tratos essa ideia também se aplica?

Essa discussão sobre ser considerado coisa ou objeto é relevante para o direito civil, mesmo porque há repercussões patrimoniais, contratuais, entre outras. A propósito, há projetos de lei em tramitação (PLC 27/2018) que pretende mudar isso.

Para o direito penal, entretanto, essa categorização não influencia, pois a natureza e o meio ambiente de modo geral (incluímos nesse conceito a fauna e, consequentemente, os animais) são considerados bens jurídicos relevantes que merecem a proteção do Estado, assim como a vida, a liberdade, o patrimônio, etc.

O senhor acredita que, com penas existentes hoje, pode haver um aumento no número de maus-tratos animais por existir uma sensação de impunidade?

A sensação de impunidade é uma constante na sociedade Brasileira em relação a todos os crimes, porque o Estado é incompetente.

Talvez a existência de vários benefícios penais, como já falei, justifique a sensação de impunidade ou de que a pena de maus-tratos seja branda.

Creio que a sensação de impunidade em relação aos crimes contra os animais não seja, necessariamente, uma questão de pena branda, pois esses benefícios valem para muitas condutas que igualmente consideramos graves.

Evidentemente que aumentar a pena para maus tratos de animais pode ter um efeito concreto em um caso ou outro, mas dificilmente será efetiva se o Estado continuar tratando essas questões com o descaso de sempre.

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Paloma Chierici

Jornalista, professora e mãe de pet. Ama viajar e a liberdade que isso lhe proporciona. Dá aula de espanhol e português há mais de 1 década. Como jornalista, trabalhou em televisão, em empresas e em revistas.

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