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Ghef Guga Rocha. Foto: Internet

Comendo no Brasil

“A cozinha brasileira, para mim, é um caldeirão efervescente de novidades e tradições que ainda serão descobertas pelo mundo”. Nossa viagem gastronômica de agora tem como guia o Chef Guga Rocha e nosso destino é a culinária brasileira.

Por Paloma Chierici

Ghef Guga Rocha. Foto: Internet

Para mim, definitivamente, comer é um dos maiores prazeres que podemos desfrutar. Outro dia vi, nas redes sociais, uma pessoa na dúvida do que era melhor: comer ou dormir. Como assim, gente? Zero dúvida, quem dorme não vive, mas agora quem come vive e vive mais feliz. Se bem que aquele soninho depois de um pratão de comida também tem seu valor. Mas enfim, ainda escolho comer nessa dúvida cruel. Talvez por ter nascido em Minas, este estado que oferece amor por meio de quitutes e de pratos deliciosos e por ter morado no México, país que tem a culinária como patrimônio imaterial da humanidade. Logo, levo muito a sério esse “trem” de comer.

Calma, se você não está entendendo o porquê de ler, na editoria de turismo, um texto sobre culinária, vou me explicar como fiz no texto “Comendo em Minas Gerais”: A ideia de falar sobre comida veio de duas das paixões que tenho: viajar e comer. Geralmente, viajar para mim é comer. Comer é experimentar a cultura de determinado lugar da forma mais deliciosa que existe. Por esse motivo, este texto está na editoria de turismo. Assim, eu, uma amante de viagens e de comidas, inspirando-me em um dos meus chefs favoritos, o inesquecível Anthony Bourdain, tomei como lema uma frase dele: Viajo, escrevo e como. E tenho fome por mais.

E, se nesse outro texto que fiz fiquei aqui por Minas mesmo, neste agora eu quis abrir as porteiras e expandir meus horizontes em uma viagem, em casa por motivos de pandemia, gulosa e curiosa pela cozinha brasileira e mais, pela cozinha feita no Brasil. E se você, assim como eu, não sabe a diferença, continue lendo este texto.

Para essa viagem pela gastronomia do meu país, tive um dos melhores guias, o Chef Guga Rocha. Nascido em Alagoas, Guga (desculpe a intimidade, mas sou fã desde “Homens Gourmet”) que além de chef é pesquisador, escritor e apresentador de televisão, já conheceu mais de 45 países e garante que nunca viu um país como o Brasil. Ele ainda afirma que a cozinha brasileira é uma dais mais ricas do mundo e define sua própria cozinha como “tropicalista”. Quer saber por quê? Confira nosso bate papo. Portas em automático, a viagem pela culinária brasileira começa agora!

Ghef Guga Rocha. Foto: Internet

 Para você, o que é a culinária brasileira?

A cozinha brasileira é uma das cozinhas mais ricas do mundo pela diversidade que nós temos, não só de influências tradicionais, como as diferentes etnias indígenas que havia aqui e as diferentes cozinhas que elas já praticavam, como também as diferentes nacionalidades que vieram para o Brasil e que compuseram essa cozinha tão rica e tão plural, como os portugueses, os africanos, os holandeses em uma parte do nordeste, no sul, italianos, japoneses, árabes, depois chineses, etc. Então, a cozinha brasileira, para mim, é um caldeirão efervescente de novidades e tradições que ainda serão descobertas pelo mundo.

Uma coisa que a gente tem que saber separar é a cozinha brasileira e a cozinha do Brasil e eu acho que a gente deve valorizar, cada vez mais a cozinha do Brasil. Porque a cozinha brasileira é a cozinha de raiz, tradicional que foi criada aqui pela miscigenação, pelas influencias que eu falei antes. A cozinha do Brasil é a cozinha que é feita no Brasil. Por exemplo, a comida japonesa feita no Brasil é completamente diferente da que é feita no Japão. A pizza que é feita no Brasil é completamente diferente da pizza que é feita na Itália. A cozinha árabe… e assim subsequentemente. Então, a gente tem que valorizar muito não só a cozinha brasileira, mas também a cozinha do Brasil. E valorizar, por exemplo, essa cozinha francesa que é feita com ingredientes locais, ou japonesa que é feita com influências locais e assim por diante.

Quais os principais ingredientes da culinária brasileira? Aqueles que não podem faltar na dispensa de uma casa brasileira.

Então, o Brasil por ser um país tão grande, continental, tem vários ingredientes que são indispensáveis, mas seu eu fosse citar um, eu acho que a espinha dorsal da cozinha brasileira é a mandioca mesmo. A mandioca está presente desde o tucupi amazônico até a farinha de mandioca que é servida no Nordeste e até a mandioca frita que é servida no churrasco gaúcho. Então, realmente, a mandioca é a espinha dorsal. Em Minas Gerais, o polvilho, no Brasil inteiro, na verdade. A mandioca é fundamental. Existem outros ingredientes, como o leite de coco, o dendê, a manteiga de garrafa que é muito brasileira, o pequi, o tucupi da mandioca. Além dos vegetais brasileiros que têm que ser valorizados, e da abundância gigantesca de frutas que a gente tem. O Brasil talvez seja o país no mundo com maior variedade de frutas. 

Como diria Djavan “O cabra que não tem eira nem beira, lá no fundo do quintal tem um pé de macaxeira”. Macaxeira, aipim ou mandioca, eleita pelo chef Guga a espinha dorsal da cozinha brasileira.

Como a culinária brasileira é vista entre os chefs estrangeiros?

Entre os chefs estrangeiros não existe um grande conhecimento da culinária brasileira. A cozinha brasileira ainda não conquistou o mundo. Você vai a Nova Iorque e você não encontra um grande restaurante brasileiro. Você vai a Paris e há um restaurante brasileiro bom agora. Você vai a Tóquio e não tem. Enfim, a cozinha brasileira, diferentemente da cozinha peruana, ainda não dominou o mundo. Mas chefs estrangeiros que eu conheço e que provaram a cozinha brasileira acharam extremamente rica, alguns deles acham um pouco pesada, a cozinha tradicional como a feijoada, mas extremamente saborosa.

Há alguma ação, no Brasil ou no exterior, para difundir a culinária brasileira?

Não há nenhuma ação, o governo federal atual, inclusive, tem uma visão muito restrita do que é brasilidade e a divulgação do Brasil no exterior caiu absurdamente. Então, não há nenhuma ação hoje que eu saiba, pelo menos, e eu sempre estive envolvido em quase todas. Porém, existem ações individuais como os chefs que vão lá fora e mostram a nossa riqueza culinária. 

Para você, quais os 3 melhores pratos da nossa culinária? Dá para destacar só 3?

É muito difícil destacar 3 pratos, mas se a gente for falar de inovação, por exemplo, o pão de queijo é uma coisa totalmente inovadora que não existe em nenhum lugar do mundo algo parecido com isso que é uma junção muito europeia com uma coisa indígena que é o polvilho. A moqueca, que todo mundo acha que é um prato africano, mas não existe na África, é um prato totalmente brasileiro que vem da influência indígena também, do “moquém” que é uma forma de assar, uma treliça de madeira que se usa para assar e a influência africana do dendê e dos portugueses dos cozidos. Outra coisa que eu acho que é bem emblemático da culinária brasileira é a cozinha amazônica, por ter ficado isolada tanto tempo no norte do Brasil, criou-se ali uma coisa muito típica regional que é muito forte.

O pão de queijo, para o chef Guga, é o campeão em inovação.

Você disse que, em uma aula que foi dar fora do Brasil, você ensinou a fazer farofa, por quê?

Eu decidi fazer farofa fora do Brasil por ser uma coisa bem brasileira, pelo brasileiro não achar que algo especial e por, ao mesmo tempo, ter uma técnica e uma história por trás. Tem toda a história e técnica indígena na utilização do “tipiti” para extrair o sumo e a poupa da mandioca. O fato de se ter diferentes tipos, tamanhos e textura de farinha e com utilidades diferentes. Então, eu queria mostrar que, através da simplicidade de algo corriqueiro do dia a dia, que para nós é algo super simples e banal, lá fora, para quem nunca viu, é algo extremamente interessante. A farinha de mandioca pode ser usada desde fininha para se fazer bolo, como se fosse uma farinha de trigo, até mais grossa para se fazer um cuscuz. Eu quis realmente mostrar que, para mim, moderno são os índios.

O brasileiro dá valor à própria culinária? Por quê?

O brasileiro não dá valor à própria cultura, nem à própria cozinha e nem ao próprio país, na verdade. O que eu vejo de gente que nunca viajou para fora do Brasil, falando que o Brasil é uma porcaria e que bom é os Estados Unidos e eu sempre digo “cara, você nunca foi aos Estados Unidos, né?”. Porque se você fizer uma comparação, o Brasil enquanto terra, enquanto nação é muito superior a grande maioria dos países. Eu já viajei para 45 países e eu nunca vi um país como o Brasil, com as riquezas que a gente tem. A gente tem que se descobrir, se conhecer e se valorizar. E, através desse processo de autoconhecimento e de descoberta, criar uma valorização e, assim, dar valor aos nossos insumos, à nossa cultura, à nossa culinária, à nossa arte. Lá fora já é dado esse valor, a música brasileira, por exemplo, é tida como uma das melhores do mundo. A arquitetura brasileira também, as artes plásticas, a moda, etc.

Para um estrangeiro que está visitando o Brasil, quais pratos você indicaria? Aqueles que ele tem que provar aqui no Brasil.

Para um estrangeiro que está visitando o Brasil eu sempre incentivo que ele como uma comida mais simples. Tentar ir a lugares mais reais, porque ele descobre realmente a raiz da cozinha brasileira. Mas ao mesmo tempo, hoje temos grandes chefs fazendo comida de nível internacional. Então, eu vou falar para ele fechar os olhos e confiar que, com certeza, ele vai comer tão bem como em vários lugares do mundo.

E para um brasileiro que está conhecendo o próprio país, o que você indicaria?

E para o brasileiro que está conhecendo o próprio país eu digo a mesma coisa. Procure a comida de raiz, a comida das pessoas simples. Às vezes a gente viaja e termina comendo a mesma coisa que a gente come na nossa cidade. Não consigo entender uma pessoa que vai para Goiás e vai comer massa. Poxa, vai comer um frango com pequi. O cara que for para o norte tem que comer um tacacá. Se for para o nordeste, prova um abará, um acarajé uma tapioca daquelas de renda. A dica não é nem o prato, mergulhe de cabeça na cultura de verdade, saia da coisa Disneylândia e descubra a cultura de verdade.

Você é casado com uma canadense, ela se adaptou à nossa culinária? Em casa, vocês optam por qual tipo de alimento? Há um tipo de cozinha fusão entre vocês?

Minha mulher, por ser diplomata, viajou o mundo todo. Então, ela já morou no Irã e em vários outros países e ela tem realmente uma facilidade de adaptação e o Brasil é muito fácil de se adaptar. O clima aqui é muito bom, as pessoas são amistosas, a comida é muito gostosa e ela super se adaptou. A gente varia muito na cozinha aqui em casa. Temos uma comida muito voltada para legumes e vegetais, cocções rápidas, grelhados, comida leve, mediterrânea. Cozinha brasileira também, a gente come muito tapioca. E tem uma mistura de comida internacional e de cozinha brasileira. Mas geralmente a gente tenta fazer a coisa mais frugal possível, mais leve, mais rápida, valorizando mais o ingrediente.

Existem várias fusões, por exemplo, a gente faz omelete de cogumelos e coloca tempero sírio. A minha cozinha é muito de fusão. Eu nomeio a minha cozinha como tropicalista. Eu faço, na cozinha, o que os tropicalistas faziam na música, o que Glauber Rocha fazia no cinema que é pegar influências de fora, ingredientes de fora, sejam eles musicais ou culinários e misturar com uma visão brasileira.

Quando você vier a Minas, quais pratos você quer provar ou comer novamente no café, no almoço e na janta.

Eu já fui muito a Minas Gerais, conheço bastante Minas, inclusive, eu fazia sempre o Festival Brumadinho Gourmet, na região de Brumadinho, gosto muito de Belo Horizonte e de outras regiões de Minas Também. Mas quando eu vou a Minas Gerais eu gosto de realmente provar a comida mineira de raiz, a comida mineira tradicional das pessoas simples que sempre me encanta em todos os lugares que eu vou. Mergulhar na cultura de verdade que eu acho que é bem por aí mesmo.

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Paloma Chierici

Jornalista, professora e mãe de pet. Ama viajar e a liberdade que isso lhe proporciona. Dá aula de espanhol e português há mais de 1 década. Como jornalista, trabalhou em televisão, em empresas e em revistas.

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