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Cota para deficientes

Empresas que tem 100 ou mais funcionários devem reservar de 2% a 5% dos cargos para pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados do INSS

Por Denise Rodrigues Alves

Conseguir um emprego formal (com carteira assinada e garantia de todos os direitos trabalhistas) pode representar autonomia para qualquer cidadão. Mas já pensou se esse cidadão for uma pessoa com deficiência? Certamente o significado dessa autonomia é ainda maior. Quero neste texto trazer uma reflexão sobre como há várias leis que protegem a pessoa com deficiência, apesar de nem sempre o Estado conseguir fazer essas garantias chegarem ao indivíduo. Mas todos nós temos o papel de contribuir. Você pode começar analisando se no lugar onde trabalha há pessoas com deficiência, se o espaço é acessível, se os colegas conhecem as particularidades da deficiência e se há algo a fazer para tornar a rotina daquela pessoa mais simples. Espero que gostem do texto, eu fiz uma pesquisa caprichada. Já adianto que conto com a paciência do leitor com algumas partes chatas da escrita porque aqui dentro de mim moram uma jornalista e uma advogada, uma quer simplificar o texto, outra quer rebuscar. Vamos lá…

A Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) é um grande avanço legislativo e social e foi muito comemorada pelos militantes deste segmento, que há muitos anos lutavam por uma legislação mais abrangente, mais protetiva e que mantivesse a autonomia da pessoa com deficiência, dentro das possiblidades de cada um. O art. 2º da referida lei traz um conceito importante: “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. A partir do estatuto, a legislação começou a adotar o termo pessoa com deficiência, em substituição do uso do termo ‘pessoa com necessidade especial’. O Código Civil, até 2015, trazia no rol dos incapazes também as pessoas com deficiência.  O Estatuto mudou tal perspectiva, tornando-a capaz, sendo necessário ser assistida, dependendo do ato civil.

A proteção da pessoa com deficiência é resguardada em dez artigos da Constituição Federal. No artigo art. 7º, XXXI, consta a proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência, com o objetivo de proteger o trabalhador urbano ou rural que possua quaisquer deficiências. No título que trata da organização do estado, o Carta Magna explicita que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II). E há também a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV).

No capítulo VII, que trata da administração pública, o art. 37, VIII, estabelece que a lei reserve percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e defina os critérios de admissão. Além disso, tratando-se de servidores públicos, o art. 40, § 4º-A, traz uma importante proteção no aspecto previdenciário, a saber: “poderão ser estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar”. Cabe destacar que o referido dispositivo foi incluído pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019.

A pessoa com deficiência também foi resguardada pela CF ao tratar da seguridade social: saúde, previdência social e assistência social. Do ponto de vista previdenciário, o art. 201, § 1º, determina que é vedada a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios, ressalvada, nos termos de lei complementar, a possibilidade de previsão de idade e tempo de contribuição distintos da regra geral para concessão de aposentadoria exclusivamente em favor dos segurados com deficiência, previamente submetidos a avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

Ao tratar da assistência social, o art. 203 abordou a questão do deficiente em dois incisos: IV e V. Assim, ficou estabelecido que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária e a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Ao tratar de Educação, a Carta Magna (art. 208, III) firmou que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. No capítulo que discute o amparo legal ligado à Família, à Criança, ao Adolescente, ao Jovem e ao Idoso, o art. 227, § 1º, II, atermou que o “Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas  e obedecendo aos seguintes preceitos: criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação”. O § 2º também traz diretriz no mesmo sentido: “a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência”.

O artigo 100, § 2º, da CF, também garante uma vantagem na ordem de preferência às pessoas com deficiência. Diz o seguinte: “nos casos de débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, (…) sejam pessoas com deficiência”. Neste artigo são tratados os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos. A redação privilegiando as pessoas com deficiência foi data pela Emenda Constitucional nº 94, de 2016.

A Constituição Cidadã buscou trazer todo um arcabouço jurídico de proteção aos direitos fundamentais da pessoa com deficiência. E a legislação ordinária complementou tais direitos, com enorme destaque à Lei 8213/1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social) que criou uma cota de empregados deficiente na iniciativa privada. O artigo 93 diz que a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção: até 200 empregados, 2%; de 201 a 500, cota de 3%; de 501 a 1.000, a cota é de 4%; e de 1.001 em diante, as empresas devem ter no mínimo 5% de empregados deficientes.

A mesma lei também designa prazo de 90 (noventa) dias para reposição de trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social após dispensa imotivada e a atribuição de fiscalização ao Ministério do Trabalho e Emprego (desde 2019 se tornou a Secretaria do Trabalho e integra o Ministério da Economia). Além disso, também foi regulado que a reserva de cargos será considerada somente a contratação direta de pessoa com deficiência, excluído o aprendiz com deficiência de que trata a CLT.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem várias frentes de atuação para promover a dignidade humana, a valorização social do trabalho e a justiça social. Uma das frentes é a Coordenadoria Nacional de Promocão de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade), que define estratégias para combater exclusão social e à discriminação no trabalho,  inclusive no ingresso das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. As ações são importantes para evitar o descumprimento da lei.

A obrigatoriedade de ter no quadro funcional pessoas com deficiência fez com que as empresas buscassem ter acessibilidade para receber os empregados nessa condição. Ainda há no segmento empresarial uma enorme queixa sobre a cota, sob a alegação que é difícil encontrar pessoas com deficiência com a qualificação necessária para determinados cargos. A queixa faz sentido, uma vez que é histórica a falta de preparação estrutural de muitos desses ambientes para receber os candidatos, passando pela dificuldade de acessibilidade, que é a mais notória, até uma política empresarial que contribua com a educação das equipes de trabalho aprenderem a conviver e respeitar a diversidade. Leva-se em consideração que mesmo completando quase três décadas, a Lei 8213/91, que estabelece cotas para pessoas com deficiência, ainda não mudou completamente a realidade de todos esses potenciais candidatos. Muitos demoraram mais tempo do que gostariam para se inserirem no mercado de trabalho. Outro grave entrave está na dificuldade de acesso à educação, o que inviabiliza a conclusão dos estudos e a consequente melhoria na qualificação profissional.

Contudo, é papel de toda a sociedade (Estado, cidadãos, órgãos públicos e iniciativa privada) melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência. E ter possibilidade de ter um emprego e desenvolver atividades profissionais é fundamental para sua inclusão na sociedade, de modo que todos nós reconheçamos as limitações e ajudemos a superá-las. As cotas são ainda hoje extremamente necessárias. É preciso evoluir mais na inclusão das pessoas com deficiência.

 

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Denise Rodrigues Alves

Sou jornalista, advogada e mestranda em Gestão Integrada do Território pela Universidade Vale do Rio Doce, no leste de Minas Gerais. Sou natural de Nanuque e moro em Governador Valadares. Gosto de ler e de pesquisar.

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